Reportagem Metallica em Lisboa
Bokassa
Se há banda de metal com passagem obrigatória por Portugal, essa banda é Metallica. Somente um ano após terem esgotado a Altice Arena, a mais bem sucedida banda de metal de todos os tempos regressou a Lisboa, desta feita ao Estádio do Restelo, para mais uma celebração de música pesada. Recorde-se a título de curiosidade para quem não sabe, que banda de James Hetfield não é virgem a nível de concertos nesse estádio, já lá tendo tocado no longínquo ano de 1996.
Duas horas e meia antes do início que estava previsto para o concerto dos Metallica, atuaram os noruegueses Bokassa, banda desconhecida do grande público que mescla punk, hardcore e stoner. É importante referir que a presença do grupo nesta tour dos Metallica se deve provavelmente a esta ser a mais recente banda favorita de Lars Ulrich, segundo o próprio afirmou.
O trio até deu um concerto enérgico, nos curtos trinta minutos dos quais dispuseram, mas o público afeto aos Metallica não estava muito para aí virado. Ainda assim já se encontravam muitos espectadores no conhecido estádio, até porque 1 de maio é sinónimo de feriado no nosso país, sendo que assim as pessoas tiveram oportunidade de ir mais cedo para o recinto, talvez algumas já com alguma curiosidade de ver a banda seguinte.
Falamos de uma das poucas bandas de metal/rock recentes, capazes de se tornar num dos grandes nomes da música pesada, ombreando com os dinossauros da música. Os Ghost, banda do ambicioso Tobias Forge, caminham a passos largos para ser uma referência no futuro. A carismática banda já vai no seu quarto álbum de originais, sendo que todos eles foram diferentes, demonstrando evolução e sobretudo uma grande capacidade de escrever grandes temas, um pouco à semelhança do que aconteceu aos Metallica há umas décadas atrás.
Se os fãs de Ghost presentes no recinto estavam com medo que a banda tocasse pouco tempo, devem ter saído do estádio satisfeitos. Apesar de terem sido banda de abertura, os suecos que atuam mascarados e dos quais só se sabe neste momento a identidade de Tobias Forge, tiveram cerca de cinquenta e cinco minutos para mostrarem o que valem.
Naturalmente que sendo os Metallica uma banda de massas, apenas uma minoria conhecia os Ghost, mas Cardinal Copia e os seus súbditos fizeram questão de mostrar à multidão quase todos os seus temas mais apelativos, faltando apenas dois ou três temas como "Monstrance Clock", "Con Clavi Con Dio" ou "He Is" para ficarem definitivamente apresentados, aos mais distraídos daquilo que de bom se tem feito na música pesada, nos últimos anos. Com uma atuação assente principalmente em músicas dos seus dois últimos álbuns bem em alguns clássicos como "Ritual" e "Year Zero" com esta última a ser uma das mais cantadas pelos seguidores da enigmática banda.
Destacaram-se também facilmente temas antémicos como "Cirice", "Dance Macabre" e "Square Hammer" tocados na segunda metade do concerto. De referir que até James Hetfield é fã da primeira dessas três músicas como pode ser comprovado pelo vídeo do youtube com em que o frontman dos Metallica aparece a tocá-la.
Os Metallica apresentaram-se em palco, sensivelmente meia hora após a hora marcada e tinham uma enorme moldura humana à sua espera. Mais de quarenta e uma mil pessoas aguardavam ansiosamente, para rever a banda na qual pontuam lendas vivas da música pesada como James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett. Goste-se ou não estes três músicos - a par claro do malogrado Cliff Burton - mudaram a vida e o gosto musical de inúmeras pessoas e deram um contributo enorme para a evolução do metal. É bem verdade que uma grande parte destas quarenta e uma mil pessoas não são fãs de metal no geral, são provavelmente seguidoras de uma ou outra banda de peso e de resto ouvem outros estilos de música, não perdendo ainda assim a oportunidade de rever uma das bandas da sua adolescência. No entanto, uma parte daquelas pessoas provavelmente começaram a ouvir metal através dos Metallica e depois começaram a conhecer e a explorar mais o vasto universo desse estilo musical. Sim, porque ao contrário do que muitas pessoas desconhecedoras do género, há muito e bom metal para além dos Metallica. Nada disso tira o mérito a uma banda que criou alguns dos melhores álbuns do género, que ouvidos em 2019 se afirmam como intemporais.
As músicas que os Metallica tocaram nesta noite, bem como inúmeras que ficaram de fora do alinhamento, fazem parte da banda sonora da vida de muitos e por isso mesmo com apenas um ano a separar este concerto da última passagem dos norte-americanos por Portugal, um recinto cheio com mais do dobro da capacidade da Altice Arena, aguardava pelo quarteto. Este até não terá sido um dos mais memoráveis concertos do grupo no nosso país mas seguramente não figurará entre os menos conseguidos.
O início foi fortíssimo com "Hardwired", "Disposable Heroes" e "Ride the Lightning" a começarem o concerto num rítmo elevado como os fãs mais old school gostam. A banda abrandou logo em seguida com "The God that Failed", um dos temas menos óbvios do famoso "black album", para em seguida deixarem o público ao rubro com "The Unforgiven", retirado do mesmo álbum. Em seguida os Metallica tocaram um par de temas de "Hardwired… to Self-Destruct", o álbum que motivou esta tour. Se "Here Comes Revenge" não entusiasmou por aí além, "Moth Into Flame" mostrou mais uma vez ser uma ótima adição às setlists dos Metallica, resultando bem ao vivo. Nesse tema houve um bom espetáculo de pirotecnia, com chamas a percorrerem não só a frente e o cimo do palco mas também a estrutura que se encontrava no meio do estádio.
O sempre comunicativo James Hetfield - que mostrou estar em boa forma a nível vocal - perguntou aos presentes se queriam algo pesado e claro que a resposta foi positiva. Era da emblemática "Sad but True" que James Hetfield estava a falar, onde o público vociferou em plenos pulmões a respetiva letra. Depois de um grande clássico chamado "Welcome Home (Sanitarium)", algo mais surpreendente (ou nem tanto) estava preparado: a dupla Kirk Hammett e Robert Trujillo tocou o clássico homónimo dos Censurados, homenageando deste modo a banda de punk rock nacional e o falecido João Ribas. Poucas pessoas acompanharam o baixista que cantou este tema, algo que mudou logo em seguida, quando os dois músicos tocaram a "A Minha Casinha" dos Xutos & Pontapés, repetindo-se assim a mesma reação de fevereiro de 2018, algo que foi na altura amplamente noticiado.
Ao contrário do espetáculo de 2018, que foi em grande parte baseado em músicas do mais recente trabalho do quarteto, neste concerto as faixas novas foram em muito menor número, dando lugar a mais clássicos e surpresas, nem todas agradáveis, pelo que se pode constatar logo em seguida quando o grupo decidiu tocar "Frantic". O tema retirado do mais polémico disco do grupo, "St. Anger", foi recebido com alguma indiferença por grande parte dos presentes.
A partir daí foi quase na totalidade um desfilar de clássicos para felicidade dos fãs com as obrigatórios "One", "Master of Puppets", "For Whom the Bell Tolls", "Creeping Death" e "Seek & Destroy" a sucederem-se e obterem uma forte reação dos fãs, que ainda assim se mostraram mais moderados do que em concertos do passado, talvez fruto do seu natural envelhecimento. Para o encore estava guardada a inesperada "Lords of Summer" e as obviamente esperadas pelos fãs do álbum negro, "Nothing Else Matters" e "Enter Sandman".
James disse que os Metallica estavam lá para entreter o público e tal foi conseguido, fora um ou outro momento mais morno. Alguns fãs queixaram-se novamente de falhas de um ou outro membro da banda. Outros saíram completamente satisfeitos depois de duas horas de diversão em que ouviram algumas das suas músicas favoritas. Uma coisa é certa, todos eles seguramente vão sentir saudades e dar valor aos Metallica quando esta banda única decidir terminar a sua carreira, algo que esperemos que esteja longe de acontecer!
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domingo, 05 maio 2019