Reportagem Caetano Moreno Zeca e Tom no Porto
Quase um ano depois, Caetano Veloso regressou ao Porto, acompanhado dos seus filhos num ''show'' que o próprio definiu como uma "celebração da reprodução". É com "Ofertório" que Tom, Moreno e Zeca se reúnem no mesmo palco com o pai e juntos cantam a alegria de uma reunião familiar.
Abrem-se as cortinas, numa sala de corações cheios e ansiosos por ouvir o mestre e os seus discípulos e o espetáculo inicia-se, não com "Alegria, Alegria", que desta vez não fez parte do alinhamento, mas com "Baby", composta por Caetano e imortalizada por Gal Costa. O concerto decorre e Zeca, o único estreante nas andanças musicais (ao contrário de Moreno e Tom que já tinham tido outros projetos) eleva-se aos céus com "Todo o Homem", música feita por ele mesmo. A cumplicidade e serenidade entre os quatro é notória e flui em harmonia, como seria de esperar. Caetano mantém-se fiel à guitarra e deixa os filhos brilhar, com calor no coração e na voz, enquanto estes vão trocando de instrumentos ao longo da noite. Chega a hora do funk "Alexandrino", quem já conhece sabe que Tom está prestes a levantar-se da cadeira e assim o faz, descalço, para dar um pezinho de dança e agitar também as cadeiras da assistência. Logo, logo a seguir Caetano brinda-nos com a sua "Oração ao Tempo" e é mesmo o tempo que se insurge ali, num culminar de partilha de experiências e amor, seja ele de sangue ou musical, ou apenas o amor pela vida em si.
Já o concerto vai a meio e, antes de tocaram "Ofertório", a música que deu o nome ao espetáculo, Caetano explica que todos os seus filhos são religiosos e brinca ao dizer que mesmo com o melhor argumento que lhe foi alguma vez dado, neste caso por Moreno, nem assim se converteu à religião. A criação de "Ofertório" teria sido então um pedido feito por Mabel para a missa de homenagem aos 90 anos de Dona Canô, mãe de ambos e, aproveitando a onda, vem finalmente o êxito "Reconvexo", onde esta é novamente recordada ("...quem não rezou a novena de Dona Canô..."). É assim a família Veloso, a plantar sementes de ouro e a partilhá-las na sua forma mais autêntica. Quatro seres distintos, de tempos diferentes e cada um com um pedaço de cada outro. Fico até a pensar como seria, se Bethânia se juntasse à festa. E para quem achou que ver Caetano acompanhado, a cantar músicas com os seus filhos, seria uma experiência não tão fiel quanto à sua verdadeira singularidade enquanto aquilo que ele sempre foi, espero que revertam as ideias e que tenham disfrutado porque vê-lo assim é aceitá-lo como homem de agora que ele é. Num ambiente intimista e ternurento, ali em cima do palco estavam quatro Caetanos e três deles disfarçados, cada um à sua maneira.
Continuando, nos prelúdios de "Leãozinho", Moreno toma a palavra, com a sua voz calma e doce e diz que o pai lhes pediu para aprender a tocar uma música dele ao qual finaliza "...não tem nada melhor que fazer o nosso pai feliz". E é isso mesmo, tudo uma questão de simplicidade e felicidade, tal qual a prenda oferecida pelo próprio a Caetano, "How Beautiful Could a Being Be" e que foi a música que desabrochou a seguir, com uma mistura de raízes africanas e brasileiras e que fez, desta vez, também o pai se levantar e dançar animado juntamente com o filho. Moreno retoma novamente ao microfone para dizer, sorrindo, "tá muito bom aqui" e aproveita para agradecer a toda a gente envolvida na produção colmatando, sem se estar à espera e de mansinho, com "Lula Livre".
Já se sente de perto o fim mas ainda há tempo de mandar essa tristeza embora, com "Tá Escrito", antecedida de "Deusa do Amor", "Um Tom" e "Canto do Povo de Um Lugar". Contudo, é com a famosa "A Luz de Tieta" que os baianos se despedem dos ares do Porto e por esta altura já todo o público está de pé, a cantar e a dançar ora não fosse motivo para menos. Com paragens na Figueira da Foz, Lisboa, Faro e Ponta Delgada, "Ofertório" continua a sua viagem por terras portuguesas, oferecendo não só uma junção de revivalismos musicais da obra de Caetano Veloso mas também uma leveza e frescura daquilo que os seus sucessores tão genuinamente lhe dão e vão continuar a dar. A ele e a nós.
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sexta-feira, 05 julho 2019