Reportagem Robert Forster no Porto
Foi numa noite chuvosa, pouco convidativa a saídas e ideal para ser passada no conforto do doce lar, que o australiano Robert Forster, fundador dos The Go-Betweens (juntamente com Grant Mclennan) visitou o Passos Manuel para um serão agradável e, sobretudo, intimista – haverá palavra mais adequada para descrever este cenário em que um homem, somente acompanhado por uma guitarra acústica, apresenta canções do seu vasto currículo como se estas fossem páginas de um diário que (ainda) se encontra a escrever? A resposta é claramente não.
Tudo aqui parece simples, banal até, mas é de Robert Forster que falamos – essa figura que tão bem romantiza o dia-a-dia e nos faz observar, e admirar, a beleza das pequenas coisas da vida. Mais do que um mero músico e compositor, estamos perante um soberbo contador de histórias para quem a rotina comum consegue ser uma inesperada, mas inegavelmente eficaz, fonte de inspiração- e porque não?
Assim sendo, a decoração de palco era efetivamente escassa, mas Robert tinha ao seu dispor tudo o que precisava para proporcionar um bom concerto: uma guitarra, um punhado de canções memoráveis e, claro, as histórias que fizeram nascer essas magníficas canções. Podemos endeusá-lo e vê-lo como uma figura de culto da pop- na verdade, isso faz parte do legado que construiu ao longo dos anos- mas, nesta noite, o artista de Brisbane provou ser, acima de tudo, um ser humano afável e humilde que apenas pede- e tão merecidamente recebe – uma oportunidade para fazer o que mais gosta: celebrar a sua obra junto de uma audiência disposta a comemorar com ele. Sentimos nele uma enorme paixão, o gosto por estar em palco e a gratidão por poder continuar a fazê-lo; não importa a fama (“I don't need no fame”, canta precisamente numa das mais bonitas canções do seu mais recente disco),interessa, isso sim, a felicidade, a autorrealização - estarmos bem com quem somos, no fundo. Robert Forster já passou por muito - períodos onde o futuro da sua carreira parecia incerto ou a morte, em 2006, de Grant Mclennan, o amigo de longa data com quem iniciou uma duradoura odisseia pelo mundo da música nos já longínquos tempos em que ambos eram estudantes universitários- mas sobreviveu a tudo isso e permanece cá, a divertir-se, a aproveitar ser ainda capaz de percorrer o mundo e tocar, ao contrário de tantos outros… ao contrário – e voltamos ao assunto, não dá para ignorar- do ex-companheiro de banda.
A memória de Grant, contudo, foi por diversas vezes indiretamente evocada – seja devido às inevitáveis saudades, seja por uma fatia significativa do público aqui presente (e, muito provavelmente, em muitos outros sítios) ser um pouco mais velho e, assumimos nós, ter crescido com os discos dos The Go-Betweens e querer ouvir as malhas que marcaram a banda sonora da sua juventude- músicas, portanto, inesquecíveis, permanentemente gravadas no coração, que os conduziram ao Passos Manuel nesta fria noite de sexta-feira. Na verdade, foi logo ao som da banda em questão que o concerto se iniciou – “Born to a Family”, “ Spirit” e “I'm All Right” constituíram os três primeiros temas do concerto e muitas mais recordações eventualmente se seguiram- hinos da pop como “Darlinghurst Nights”, “Clouds”, “Here Comes a City” ou “ Spring Rain”, entre outros, ecoaram pelas paredes negras do lotado auditório portuense.
É possível que esta viagem nostálgica seja também uma maneira de processar melhor a perda de Grant (treze anos passaram, mas perdas dolorosas como esta deixam sempre mazelas) e garantir que as memórias de tempos bem passados não se desvanecem, mas a verdade é que, mesmo assim, o músico não se esqueceu do presente e brindou-nos com composições novas como, por exemplo, “ Remain”, “ Life Has Turned a Page” ou “ Inferno (Brisbane in Summer) ”, todas retiradas da obra discográfica lançada este ano que prova que o artista australiano ainda tem muito para dar.
Se esteve algo em falta, foi claramente a presença da mulher, a alemã Karin Bäumler, que era suposto juntar-se ao marido para “temperar” a receita sonora com voz e violino em certas músicas mas que, como explicou Robert num registo descontraído típico de uma conversa de café (assim comunicou ao longo de toda a noite com a sua audiência, rejeitando veementemente atitudes arrogantes de rock star- tão refrescante), teve de ficar em Munique a cuidar do pai que se encontra doente. Uma decisão não só compreensível como extremamente louvável, mas que, infelizmente, fez com que as músicas ficassem ligeiramente mais empobrecidas – ainda que inegavelmente agradáveis de se ouvir… mas faltou esse “elemento” para que o concerto passasse de bom para realmente épico; todavia, valeu definitivamente a pena, e o público que o diga – quando tudo terminou, muitos levantaram-se das cadeiras para aplaudir um Robert Forster visivelmente contente com esta receção calorosa, quase que meio surpreendido por estar a recebê-la.
Quem sabe, talvez regresse a casa e, um dia, pegue no papel e na caneta para imortalizar com palavras este momento; e talvez retome, um dia, à Invicta para nos mostrar o resultado final; cá o aguardamos.
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quinta-feira, 28 novembro 2019