Reportagem Max & Iggor Cavalera em Lisboa
Healing Magic
Sensivelmente três anos após terem vindo a Portugal, mais exatamente à cidade Invicta, para tocarem o bem-sucedido álbum "Roots" de uma ponta a outra, os lendários irmãos Cavalera voltaram, desta feita a Lisboa, para a performance de dois dos clássicos incontornáveis da sua carreira: "Beneath the Remains" e "Arise". Se na anterior passagem compareceram principalmente os fãs da fase mais moderna dos Sepultura, desta vez este espetáculo foi feito à medida dos fãs da velha guarda, que compareceram em peso, tendo esgotado a sala Lisboa ao Vivo.
Meia hora antes do início dos concertos desta noite, já havia uma fila enorme à entrada do Lisboa ao Vivo, o que indicava que todos queriam arranjar um bom lugar, para assistir a esta atuação especial dos irmãos fundadores dos Sepultura. À hora marcada entraram em palco os nacionais Besta, com uma casa já bem composta, pronta para Max e Igor mas também recetiva aos anteriores concertos programados.
Os Besta são autênticas bestas em palco, principalmente o baterista Paulo Lafaia. É que se há bateristas portugueses capazes de rivalizar com uma lenda como Igor Cavalera, o baterista dos Besta é um desses casos, como se pôde testemunhar in loco. Este é o maior elogio que podemos fazer a este músico nacional. Mas não é só de Lafaia que vivem os Besta, os riffs insanos de Rick Chain, bem como a voz poderosa e em português por parte de Paulo Rui também são destaques. A banda foi mais do que uma digna representante da música extrema made in Portugal, com uma prestação imparável, praticamente sem pausas, cuspindo tema atrás de tema à velocidade da luz, com algumas partes lentas, que apelaram ao headbanging por parte dos presentes.
Em menos de meia hora, os Besta cumpriram a sua função com toda a intensidade e profissionalismo, com o vocalista de serviço Paulo, a agradecer aos irmãos Cavalera por terem tornado este momento possível.
Formados há pouco mais de um ano, os Healing Magic foram convidados especiais deste evento, o que é natural porque esta banda conta com Igor Amadeus Cavalera, filho de Max Cavalera. Mas este é mesmo caso para dizer que filho de peixe sabe nadar, porque o projeto do descendente de Max é interessante e promissor.
A banda protagonizou uma boa surpresa esta noite, apresentando um stoner/sludge interessante, com bons apontamentos. A banda, que ainda é bastante underground, pouco se sabendo sobre a mesma, é formada pelo filho de Max como vocalista/baixista, Travis Stone na guitarra e Johnny Valles na bateria. O trio deu bem conta do recado, tendo tocado os temas do seu EP de estreia, intitulado "Restoration".
O público pareceu suficientemente agradado perante a performance do grupo, sem dar nota de ansiedade perante a proximidade do tão esperado concerto dos irmãos Cavalera, o motivo pelo qual todos o presentes compareceram.
Para muitos, Max Cavalera e Igor Cavalera continuam a ser os Sepultura, apesar destes há muito não pertencerem à mais famosa banda de peso brasileira, principalmente o primeiro, que já lá não está desde os 90s. Por isso a sala de espetáculos Lisboa ao Vivo esgotou rapidamente, pouco depois deste concerto ter sido anunciado, o que indicia que, caso o espetáculo tivesse sido marcado para um local de maiores dimensões, teria tido uma enorme adesão de igual modo, não fossem os Sepultura um grande nome do metal.
Max e o seu irmão começaram pelo álbum "Beneath the Remains" e pelo seu tema-título, para loucura dos fãs que acompanharam entusiasticamente Max Cavalera a nível vocal e fizeram headbanging freneticamente ao som deste clássico. Clássicos foram todos os temas da noite, num alinhamento de luxo para os fãs mais old school dos Sepultura. Em "Inner Self" foi impressionante como o público berrou a música a viva voz do princípio ao fim, mostrando a enorme vontade que todos tinham, de ver os irmãos reunidos num concerto. Seguiu-se "Stronger than Hate", com Max a apelar ao público para saltar, com sucesso, tendo os presentes tido direito até ao solo de baixo do final do tema. Continuando a respeitar o seguimento do álbum de 1989, os espectadores tiveram direito a uma furiosa interpretação de "Mass Hypnosis". Mas não pensem que Max e Igor tocaram o álbum na íntegra, porque ainda haviam vários temas do "Arise" para tocar e eles já não caminham para novos. De "Mass Hypnosis" saltaram para "Slaves of Pain" e depois, para a igualmente excelente malha de encerramento de "Beneath the Remains", "Primitive Future".
Depois houve uma breve pausa para descansar, entre a interpretação dos dois álbuns, sendo que o público não tinha vontade de parar e começou a gritar quase de imediato "Cavalera", num sinal de apreço pelos seus ídolos. Começou a faixa-título de "Arise", um dos maiores clássicos dos Sepultura, e os espectadores berraram as letras, saltaram e abanaram a cabeça incansavelmente. Em seguida foram tocadas as igualmente icónicas "Dead Embryonic Cells" e "Desperate Cry", músicas que mantiveram o concerto na mó de cima.
Por esta altura já se conseguiam tirar várias ilações: Igor Cavalera continua a ser um monstro na bateria, Marc Rizzo é seguríssimo a fazer de Andreas Kisser e Max Cavalera não desaprendeu de tocar os seus clássicos e ainda continua a ter entusiasmo por tocá-los. A sua voz, essa, já não é a mesma da sua juventude, o que é natural. O lendário vocalista já não consegue berrar os temas com o mesmo vigor de outrora. Tal não foi um handicap para os fãs apreciarem na sua plenitude, o espetáculo daquela que é, para muitos, a mais próxima versão dos verdadeiros Sepultura, visto que Andreas Kisser e Paulo Jr. provavelmente nunca se vão reunir com os irmãos fundadores da banda.
Começou o som da selva e isso significava que se ia ouvir e ver a interpretação de "Altered State", excelente tema que caso este não fosse um concerto comemorativo, dificilmente seria tocado (um excerto de "War Pigs" foi tocado no final). O mesmo podemos dizer de "Infected Voice", poderosíssima música que encerra o álbum "Arise" e que aqui os fãs tiveram o prazer de ver ao vivo. Este último tema até teve direito a um pequeno circle pit, após solicitação de Max. Seguiu-se a conhecida cover de "Orgasmotron", dos igualmente míticos Motörhead, música que consta na edição limitada de "Arise". Durante esse tema, de repente o público acordou para o crowd surfing e deu muito trabalho aos seguranças presentes.
Já na reta final da atuação, a banda começou a tocar a icónica "Raining Blood", pensando-se por momentos que ia homenagear os Slayer, que acabaram de dar há dias, o último concerto da sua carreira. Mas não, Max e Igor pararam de tocar o tema da banda de Tom Araya e Kerry King, passando à performance de uma música igualmente representativa do metal, a sua "Troops of Doom". Inevitável foi também a interpretação de um dos seus mais famosos e obrigatórios temas, "Refuse/Resist", com o público obviamente a acompanhar a letra, e a fazer um wall of death a pedido do vocalista, na parte mais rápida da música. Os irmãos Cavalera reservaram uma surpresa para o final: a versão de "Policia", tema original dos Titãs. O espetáculo terminou da mesma maneira como começou, em grande, com um medley bastante acelerado dos clássicos "Beneath the Remains", "Arise" e "Dead Embryonic Cells" que já haviam sido tocados durante este concerto. Os espectadores não se importaran com esse facto, até porque para muitos deles, "estes são os verdadeiros Sepultura", como Max Cavalera fez questão de afirmar no final.
Esta foi uma noite especial e possivelmente irrepetível, dadas as circunstâncias, mas que ficará para sempre na memória, principalmente de todos aqueles que nunca tinham tido a oportunidade, de assistir a um concerto com os irmãos Cavalera.
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quarta-feira, 04 dezembro 2019