Reportagem The National em Lisboa
Os The National encerraram a digressão europeia de apresentação do álbum “I Am Easy To Find” com um concerto arrebatador em Lisboa. O Campo foi Pequeno para receber o 17.º concerto da banda norte-americana em Portugal, escassos meses após a atuação no Festival Paredes de Coura. Duas horas e 24 canções serviram para estreitar ainda mais os laços com o público português.
Quis o destino que, poucos instantes antes do início do concerto, os The National tivessem estado em contato com a Estação Espacial Internacional, através de uma videoconferência transmitida em direto no Instagram do baterista Bryan Devendorf. A insólita conversa terá atrasado o início do espetáculo, mas o público que esgotou a Praça de Touros do Campo Pequeno não daria quaisquer razões para que a banda tivesse que descer à terra após um momento tão raro.
As declarações de amor foram uma constante ao longo da noite. De um lado, uma plateia que provou saber todas as letras na ponta da língua, batendo palmas a compasso e erguendo cartazes sugestivos. Do outro lado, uma banda talentosa que se entregou de forma humilde e generosa. À beira dos 49 anos, Matt Berninger mantém o charme e o jeito desengonçado. A interação do vocalista com a plateia foi permanente, como provam a quantidade de adereços que recebeu e devolveu, as inúmeras descidas até às grades e as várias investidas pelo meio da assistência.
O alinhamento do concerto focou-se sobretudo no novo “I Am Easy To Find”, álbum lançado em maio e que começou a ganhar forma a partir de uma curta metragem do cineasta Mike Mills, inspirada em alguns temas que tinham ficado de fora do último disco e que, entretanto, foram repescados. A aposta neste novo trabalho ficou bem clara com a apresentação de 9 temas. Se alguns resultaram bem (como na sequência de abertura “You Had Your Soul With You” / “Quiet Light” / “The Pull of You”), outros nem tanto (“Hey Rosey” e “Oblivions” acabaram por quebrar o ritmo do espetáculo).
No registo de estúdio, Berninger interpreta estes temas em dueto com diversas cantoras (de Sharon Van Etten a Gail Ann Dorsey, antiga baixista de David Bowie) mas esta noite quem assumiu protagonismo foi Kate Stables. Ao lado do frontman, bem na frente do palco, a cantora britânica mostrou-se à altura das circunstâncias, não apenas nos temas em que colaborou no disco (a faixa que dá nome ao novo álbum, bem como "Rylan", uma música que vem sendo tocada ao vivo há quase 10 anos, mas que só agora foi gravada), mas também em outros como “Light Years”, uma balada que gravita em torno do piano e que foi interpretada sob um imenso céu estrelado formado pelas luzes dos telemóveis - um dos momentos mais bonitos da noite.
Longe vão os tempos em que os The National tocavam para uma imensa minoria. A banda de Berninger, dos gémeos Dessner e dos irmãos Devendorf amadureceu e ganhou estatuto de estrela do indie rock. Vinte anos de carreira e um catálogo que já conta com oito discos de longa duração permitem agora maior liberdade na escolha do alinhamento. Em Lisboa ouviram-se muitos temas do penúltimo álbum “Trouble Will Find Me”, editado em 2013: as agitadas “I Should Live in Salt”, “Don’t Swallow the Cap” e “Graceless”; e as baladas “I Need My Girl”, “This is the Last Time” e “Pink Rabbits”.
A maior surpresa acabaria por ser a inclusão de “Looking for Astronauts”, que não será a escolha mais óbvia quando falamos de “Alligator”, o álbum que os catapultou para a fama em 2005. A canção já não era tocada ao vivo desde 2014, mas esta noite foi dedicada à astronauta Jessica Meir que atualmente integra uma expedição espacial e com quem a banda conversou antes de subir ao palco.
Seguiu-se uma dupla incursão pelo disco “Sleep Well Beast”, lançado em 2017. Primeiro, com Matt Berninger a cantar “Day I Die” enquanto ia furando pela plateia e trepando por um dos bares até chegar a uma das bancadas. Logo depois, através da catártica “The System Only Dreams in Total Darkness”, entre riffs de guitarra e salpicos de piano, aos quais se juntou a voz esbaforida de Berninger e o vigor dos instrumentos de sopro.
A mais valia dos três instrumentistas que acompanharam a banda em palco (Kyle Resnick na trompete, Benjamin Lanz no trombone e James Mcalister como segundo baterista) também ficou patente na interpretação de êxitos como “Bloodbuzz Ohio” – entoado em uníssono como um autêntico hino, num cenário de luzes vermelhas – e o majestoso “Fake Empire” cantado em coro, naquela que foi a única visita ao álbum “Boxer” (2007), mesmo antes de um encore exigido de forma ruidosa por um público devoto.
No regresso ao palco, entregaram finalmente os clássicos “Mr. November” (segunda incursão da noite ao álbum “Alligator”, de 2005), “About Today” (uma preciosidade resgatada de “Cherry Tree”, o EP lançado em 2004) e “Terrible Love” (em versão mais prolongada, que terminou com uma incrível explosão das guitarras dos gémeos Dessner). Canções que revelam bem as diferentes facetas do cancioneiro dos The National, ora luminoso, ora taciturno, sempre no limbo entre o amor e o desamor, a euforia e a melancolia.
Para o fim guardaram “Vanderlyle Crybaby Geek”, a faixa que encerra o disco “High Violet” (2010) e que há muitos anos também serve para colocar um ponto final nos seus concertos. No Campo Pequeno, o tema foi tudo aquilo que já sabíamos: um momento de intensa comunhão, com a plateia tomando posse da canção e os músicos acompanhando em formato acústico.
“I Am Easy To Find”, dizem eles no disco que vieram apresentar, e nós estamos completamente de acordo com a afirmação. Se este 17.º concerto em Portugal não tivesse sido prova suficiente disso, eis que ficamos a saber que faltam poucos meses para os voltarmos a encontrar, desta vez no Rock In Rio Lisboa 2020.
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terça-feira, 17 dezembro 2019