Reportagem Petbrick no Porto
Foi com os brasileiros Sepultura que Iggor Cavalera construiu um legado verdadeiramente invejável como um dos mais criativos e formidáveis bateristas dentro do metal, mas é com Petbrick que o músico consegue agora distanciar-se um pouco desse mundo ao qual está inevitavelmente associado- algo que já tinha começado a fazer com o projeto Mixhell- e explorar sonoridades diferentes, que na verdade são tão intensas, em muitos aspetos, quanto aquelas que tocava com a sua banda de raiz, mas bem mais experimentais, lives de quaisquer barreiras estilísticas, pouco ortodoxas e revestidas de uma cativante irreverência sonora e espiritual. Petbrick é, portanto, sinónimo de liberdade, de uma “loucura” de sabor jovial ao qual os dois músicos que compõem o projeto- o “outro” é o senhor Wayne Adams, dos Big Lad- se entregam livremente pelo puro prazer da exploração sonora, por ambos sentirem que o encontro em Londres, cidade onde Iggor forjou uma amizade com Wayne, tinha de se traduzir numa fértil partilha de ideias.
Contudo, por muito que o grupo constitua uma entidade totalmente distinta dos Sepultura e mesmo dos Cavalera Conspiracy - a banda que Iggor formou após a reconciliação com o irmão Max -, a verdade é que esse passado absolutamente brilhante faz com que seja extremamente difícil, senão mesmo impossível, não olhar para Petbrick como um supergrupo, e para Iggor como a estrela do mesmo. Prova disso, aliás, era a divisão na plateia, bem clara e visível: se alguns estavam lá para absorver a magia dos temas do álbum de estreia intitulado I, outros deslocaram-se ao Maus Hábitos somente para avaliar a mais recente aventura de Iggor nos meandros da música experimental, num misto de curiosidade e, sobretudo, lealdade ao músico brasileiro por todas as memórias criadas nos tempos áureos dos Sepultura - o que na verdade é um sentimento natural e compreensível, mas que faz com que Wayne permaneça injustamente na sombra do seu colega de banda. Talvez não se importe, talvez até prefira esse relativo anonimato ao estrelato sufocante, mas não há dúvida que só com ele a sala estaria menos composta, ainda que nunca vazia, e que Iggor, para além de baterista, é a grande figura mediática que confere aos Petbrick um maior nível de protagonismo junto daqueles que com os Sepultura e o metal dos anos 90 cresceram.
Seja como for, ao observar o duo em palco torna-se claro que Wayne só é o “outro” elemento no que ao estatuto diz respeito, pois musicalmente assume-se como uma parte vital do corpo artístico dos Petbrick. Servindo-se de toda a maquinaria que tem ao seu dispor, constrói viciantes e selvagens camadas de noise desenfreado onde também encontramos ocasionalmente passagens mais melódicas, pausas indispensáveis para descansar da “tareia”, tudo isto sabiamente temperado por Iggor com batidas soberbas – umas vezes mais brutais e violentas, outras vezes mais ágeis e tribais. Chega mesmo a ser incrível, quase surreal, ver como o músico ainda possui tanta habilidade e destreza mesmo estando perto de atingir cinco décadas neste planeta (o quinquagésimo aniversário é celebrado este ano), o que prova que a idade é só um número, ou então que o envolvimento em Petbrick permitiu-lhe recuperar alguma da garra de outrora que, ainda que nunca se tenha propriamente evaporado tendo em conta a qualidade das prestações ao lado do irmão, encontrava-se talvez ligeiramente “adormecida”, pois Iggor, convenhamos, nada tem a provar no mundo do metal, limitando-se aí a ser ele próprio, ou pelo menos a versão que os fãs conhecem e esperam dele.
Aqui, num contexto novo e refrescante, sentimo-lo mais entusiasmado e totalmente à vontade para ser mais do que um baterista de metal/hardcore, porque não era apenas isso que lhe era permitido ser- e essa liberdade foi claramente revigorante. Notou-se igualmente a boa química que já conseguiu desenvolver em palco com Wayne, obviamente impossível de comparar à que possui com Max, mas inegavelmente forte ao ponto de termos aqui uma máquina bem oleada e extremamente coesa. Acima de tudo, os dois músicos complementam-se, e se há momentos em que Wayne parece ser o “cérebro” e Iggor o “músculo”, não se pode negar que ambos desempenham papéis cruciais e que precisam um do outro para que a coisa funcione. Numa sonoridade em que o encanto reside nos contrastes –breves momentos de contemplação rapidamente são interrompidos por novas descargas de fúria visceral e experimentalismo caótico-, a maquinaria e a bateria ocupam o mesmo lugar de destaque e originam assim um “casamento” que pode efetivamente soar estranho para alguns – e as opiniões sobre a atuação, ainda que positivas em geral, não foram completamente consensuais -, mas que se revela particularmente interessante e envolvente.
Todavia, nem tudo foi perfeito: a duração do concerto (uma hora, aproximadamente), que em circunstâncias normais seria perfeitamente aceitável e até um pouco breve, não se justificou com algo maioritariamente ruidoso e frenético – este tipo de concertos querem-se “short and sweet”. Pode-se também argumentar que ainda há certos elementos que funcionam melhor em estúdio (até porque o álbum de estreia conta com a presença de vocalistas convidados, o que torna tudo mais rico e dinâmico, e aqui as vozes foram evocadas através de samples), mas o balanço foi, apesar de tudo, muito positivo, não só pelas músicas escutadas, mas também pelo som claro e pujante que saía das colunas do Maus Hábitos. Aguardamos então o regresso, pois saímos da sala com a sensação de que estes Petbrick estão aqui para ficar e que são tudo menos um projeto paralelo.
Na primeira parte, os Krypto, formados por elementos dos Zen (o carismático Gon) e dos Greengo, trataram de aquecer a plateia com uma descarga potente de rock indomesticável e duro, que ocasionalmente pisca o olho ao psicadelismo, mas que vive de um sentimento bem punk e que serviu para colocar os presentes no estado de espirito certo para o que aí vinha.
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sexta-feira, 24 janeiro 2020