Reportagem O Manipulador no Porto
Um baixo; um imponente conjunto de pedais; loop station; uma voz; é só isto que Manuel Molarinho necessita para fazer música no projeto que mantém a solo, O Manipulador, e foi este o formato com o qual se apresentou no Maus Hábitos, onde os temas do novo disco Doppler foram interpretados perante uma plateia bem composta que estava ali para embarcar livremente nesta excitante aventura musical.
Pode só haver uma pessoa em palco, mas não interessa- se fecharmos os olhos, facilmente imaginamos que temos uma banda perante nós, porque é exatamente a isso que tudo soa. Vários sons emanam do palco, frequentemente em simultâneo, entrelaçando-se e formando uma evolvente e densa teia sonora de atmosferas sedutoras, por vezes misteriosas e próximas de um post-punk delicado e ligeiramente negro, outras vezes um pouco mais festivas, mas sempre experimentais e aventureiras, como se Molarinho procurasse eternamente um lugar indefinido mas real, um lugar onde sabe que quer chegar como compositor e ao qual pertence. Doppler, de resto, vive imenso desse sentimento de exploração emocional e sonora: é a “viagem” de Molarinho pelas várias possibilidades sónicas do baixo, o estudo do instrumento e de tudo o que pode ser feito com ele para atingir grandeza artística. Talvez seja pouco usual a escolha, se calhar mais rapidamente se pensaria na guitarra, mas o baixo não só resulta, como encanta. As composições, que por muito exploratórias que sejam, são também cuidadosamente elaboradas, revestem-se de melodias dinâmicas, cativantes, muitas vezes orelhudas ao ponto de permanecerem presas na nossa cabeça - qual loop soberbo do qual não nos queremos libertar.
No fundo, músicas de qualidade tocadas num esplêndido ambiente intimista constituído essencialmente por amigos e curiosos, por pessoas que queriam lá estar e não apenas dizer que marcaram presença. Aqui respirava-se entusiasmo, amor às artes, e vivia-se tudo isso num clima pacífico onde ninguém incomodava ninguém e todos se encontravam unidos na apreciação coletiva do concerto. Bastava também olhar para o nosso anfitrião, sempre amigável ainda que claramente concentrado na sua tarefa, para perceber que ele também estava a adorar a celebração, a saboreá-la consciente da brevidade de tão belo momento. A noite era especial, sentia-se isso ao ponto de o fim ter sido “adiado” através de uma sessão de improvisação no final, já depois de o disco ter sido interpretado na íntegra. Era a vontade de dar tudo, de fazer com que a noite não acabasse tão depressa, de continuar a expulsar a criatividade que reside na alma como uma chama que teima em não se extinguir. Pode não ter sido realmente necessária a tal jam, mas não nos importamos; com esta atuação, tornou-se claro que O Manipulador é um dos mais entusiasmantes e brilhantes projetos da cena nacional, e acreditem que estas palavras carregam a mais pura honestidade.
-
sexta-feira, 24 janeiro 2020