Reportagem Angel Olsen no Porto
Foi perante uma sala cheia que Angel Olsen se apresentou no Porto, numa data há muito esgotada que serviu para mostrar os temas do novo All Mirrors e deixar bem claro que a artista de St. Louis é uma das mais poderosas forças femininas da música contemporânea, tendo assinado uma passagem que só pode ser descrita como triunfal – possivelmente a melhor e mais inspirada de todas as suas visitas ao nosso país.
Quem a viu, por exemplo, no Primavera Sound, por altura do aclamado My Woman, até pode ter sentido saudades desse concerto e da atmosfera mais dinâmica que o caracterizou, mas a Angel Olsen de hoje habita um universo sonoro consideravelmente diferente – grandioso e sumptuoso, bem mais orquestral, mas sempre intensamente íntimo e carregado de uma honestidade crua que nos contagia e nos deixa encantados com a figura que temos diante de nós. Por muito que sorria e comunique com a audiência- e nesta noite fê-lo frequentemente- ficamos sempre com a sensação de que é através da música que Angel Olsen abre verdadeiramente as portas do seu coração e nos mostra o encanto da sua vulnerabilidade (ainda que nem sempre pareça tê-la, à superfície), encontrando no palco a coragem para libertar a magia que dentro dela reside. Olhamos para a forma apaixonada como canta e toca guitarra, pelo modo como muitas vezes fecha os olhos e parece embarcar subitamente numa viagem pelos recantos mais profundos da alma, e percebemos como todo este processo é extremamente pessoal e delicado, quase catártico até, mas claramente gratificante; para ela, que ganha confiança para expressar a sua grandeza interior (e há algo de fortemente feminista nesse ato) e para nós, que temos oportunidade de testemunhar tamanha magia numa sala escura e mais intimista do que outras, perfeita para um espetáculo cujo nível de introspeção não resultaria tão bem num recinto menos acolhedor.
Todavia, não só do carisma da anfitriã viveu este espetáculo: a banda que a acompanha, que inclui instrumentos nem sempre comuns neste formato mais “alternativo” como violoncelo ou violino, eleva as músicas a outro patamar, tornando-as inegavelmente majestosas e revestindo-as de um caracter quase cinematográfico, como se estivéssemos a deliciar-nos com a banda sonora de um filme que só existe nos estúdios da nossa mente. Angel Olsen pode muito bem ser a figura onde todas as atenções se concentram, pela presença sedutora e pela voz doce que aquece corações, mas não há duvida que ter uma banda de suporte deste calibre ajuda imenso, como se esta fosse o “tempero” que a receita musical necessita para atingir todo o seu potencial.
Foi então neste sublime registo que temas novos como “All Mirrors”, “Impasse” (um dos mais arrepiantes e emotivos momentos da noite, a força das palavras e dos sons foi surreal e quase indiscritível), “Spring” (dedicada, nesta noite, a um fã chamado Daniel) ou “Summer” se misturaram com recordações de um passado ainda bem presente na memória coletiva dos presentes como “Shut Up Kiss Me” (que soube mesmo bem ouvir e provocou uma “explosão” de felicidade, outra coisa não se esperava) ou “Windows”. Houve ainda um bonito momento a solo (reminiscente do ambiente introspetivo do concerto em Guimarães, onde enfrentou sozinha a imensidão do palco) com a interpretação de um tema inédito, ao qual se seguiu a derradeira despedida com “Chance”, retirado do mais recente álbum que veio promover e que tocou quase na íntegra. De certa forma, cada passagem da artista pelo nosso país representa uma fase específica da sua existência musical, algo único e irrepetível, pelo que faz sentido focar-se no presente e só recordar o passado quando realmente se justifica (ainda que a ausência de um tema como “Sister” tenha claramente feito falta, mas não se pode ter tudo). Além disso, beneficia de estar a atravessar um período áureo (All Mirrors foi por muitos considerado um dos melhores discos do ano), pelo que não necessita de viver somente das glórias do passado- ainda as vive no presente.
No fim, por muito calor que fizesse dentro da sala e por muito difícil que fosse circular à vontade, saímos de lá plenamente satisfeitos, de coração cheio. Angel Olsen está no topo da sua forma, tanto em palco como em disco - que possamos continuar a ser iluminados pela sua luz. Um concerto contemplativo, apaixonante, mas ao mesmo tempo recheado de um clima de celebração – da vida, das artes- magnífico.
Na primeira parte, o projeto Hand Habits (de Meg Duffy, que entre outras coisas tocou na banda que Kevin Morby reúne ao vivo) proporcionou uma agradável sessão de folk com sabor indie, particularmente competente sem ter realmente marcado o serão… no entanto, talvez tenha sido culpa da vontade que sentíamos em ver Angel Olsen; talvez noutra ocasião nos deixemos efetivamente levar por estas sonoridades que, de qualquer forma, mostraram ter imenso potencial… a nossa mente é que já sonhava com o que aí vinha.
-
sexta-feira, 31 janeiro 2020