Reportagem Chico Bernardes no Porto
Chico Bernardes “invadiu” Portugal para uma digressão inicialmente composta por dez concertos (o de Ovar acabou por ser cancelado devido a problemas técnicos) cuja passagem pela Invicta teve lugar num Maus Hábitos surpreendentemente bem composto, cheio de pessoas que encheram a sala do mais puro calor humano. Algumas até escolheram sentar-se no chão, bem juntinho ao palco, para melhor absorver a folk simples e bem doce do músico brasileiro, irmão do conhecido e adorado Tim Bernardes e filho de Maurício Pereira. Será seguro afirmar que a música está-lhe no sangue e que o jovem artista se expressa através dela como quem se serve das palavras para preencher páginas de um diário, e que muitas mais visitas se seguirão a esta já que os laços aqui criados dificilmente serão quebrados; afinal, nós somos fixes – assim nos descreveu num dos vários momentos em que tentou, e conseguiu, quebrar as barreiras entre artista e público para cultivar um louvável clima de igualdade, um ato que tanto manifesta uma espantosa simpatia como um palpável desejo de integração, como se estivesse a tentar ser aceite por aqueles que, de qualquer forma, já o queriam ver.
O cenário, tal como a música, era simples e eficaz: um palco parcamente iluminado e desprovido de decorações desnecessárias onde, bem no centro, se encontrava Chico com a sua guitarra, a sua voz, o seu encanto; à sua frente estávamos nós, a observar e a admirar a impressionante honestidade crua que saía de cada palavra cantada e cada acorde tocado. Dividindo o alinhamento entre canções retiradas do álbum homónimo que veio promover, uma composição inédita e ainda uma competente cover de “ True Love Will Find You in the End” do malogrado Daniel Johnson (nunca esquecido porque a arte de elevada qualidade vive para sempre no coração de quem a mantém viva), Chico Bernardes provou que é um artista talentoso e promissor, ainda que lhe falte a experiência necessária para protagonizar um espetáculo realmente inesquecível - consequência inevitável de ter somente 20 anos, como fez questão de curiosamente enfatizar durante o concerto. Muitas eram as ocasiões em que se notava uma ligeira timidez, que se por um lado faz parte do charme do cantautor brasileiro, por outro impede que a sua performance atinga níveis mais altos… é como se todo o potencial que sabemos que nele reside só tenha sido até agora parcialmente libertado.
No entanto, mesmo com esses apontamentos, não há dúvida que o serão valeu cada segundo que durou. Entre músicas agradáveis e íntimas, uma comunicação descontraída mas sincera e uma atmosfera super confortável, daquelas que apenas se materializam em espaços desta dimensão, assistimos, com muito prazer, a este primeiro capítulo da história que Chico Bernardes começou agora a escrever com Portugal. E foi bonito, acreditem; inocente e puro, mesmo que a perfeição não tenha sido atingida – será com certeza no futuro, quando a conquista de uma maior maturidade artística o permitir.
Na primeira parte tivemos a prestação de Carol, que tal como acontece com Chico Bernardes, contagia-nos com a sua gentileza, com uma doçura genuína que revela uma alma frágil e sensível (admitiu, por exemplo, estar nervosa e confessou ter até ligado à mãe para apoio moral) mas encantadora, que enquanto esteve em palco levou-nos numa viagem pelo seu mundo recheado de carinho onde a folk convive com a música do Brasil que a viu nascer (sobretudo MPB e bossa nova), numa homenagem que até incluiu interpretações de “Eu Gosto Assim” de Anelis Assumpção e “Deusa do Amor” de Moreno Veloso. Uma noite onde a chama da arte brasileira ardeu com toda a força em território lusitano.
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terça-feira, 11 fevereiro 2020