Reportagem Chico da Tina no Porto
No passado dia 11 de Dezembro o Super Bock Arena, situado nos jardins do Palácio de Cristal, mergulhou num carrossel de trap português que tinha como operador o seu grande representante nacional: Chico da Tina, o trapstar de Viana do Castelo, que em poucos anos conquistou tudo e todos e é, hoje, um dos talentos seguros da música nacional.
Quis o destino que apenas um dia após a confirmação da sua presença no certame do NOS Primavera Sound, o minhoto Chico da Tina regressasse à cidade que acolhe o festival para aquecer uma noite gélida de sábado, acompanhado da sua trupe e de variados convidados musicais. Antes da atuação do autor do EP “Trapalhadas” e do longa-duração “Minho Trapstar” de 2019, tivemos ocasião de presenciar as prestações de João Não & Lil Noon e Kenny Berg. Competentes mas sem deslumbrar, e sob alguma indiferença de boa parte do público tão característica de primeiras partes, as canções foram-se sucedendo sem grande pompa. Porém, enquanto João Não e Lil Noon trazem sabores mais adocicados do kizomba ou reggaeton de raiz ao seu trap, Kenny Berg trazia mais intensidade e agitação de festa ao palco. Talvez os mais afincados fãs do género irão discordar, mas para quem é mais verde nestas andanças, a noite pedia algo mais empolgante. O que viria a ser entregue em grande estilo pelo grande nome da noite.
Seriam aí umas 23h13 quando Chico da Tina e os seus parceiros no crime tomaram de assalto a noite, logo com “Deitei Tarde Acordei Late”, filmado nas ruas do Porto e exibido em grande plano numa projecção de grandes dimensões, o que aliás seria uma constante ao longo do concerto. E ouviriam-se o primeiro de muitos diálogos entre o público e o artista, que passou desde várias invocações ao seu nome (“Eu digo Chico, vocês da Tina”) bem ao jeito de animador de estádio de futebol, até a coordenações para o moshe ou para “terra dividida”, numa sondagem feita pelo próprio para decidir o destino do jovem público que se encontrava presente. Falando em público, é complicado dizer se a lotação estava perto ou não de esgotar em tempos de pandemia, mas havia bastantes lugares por ocupar, tanto na plateia em pé como sentada.
Houve homenagens a Pedro Alexandrino de Carvalho em “Cabral Moncada”, bem presente no enorme colar de Francisco da Concertina, garrafão de Tinto que cura o covid trazido por Alfredo da Tina, muitos balões e muita festa. E, claro, um pequeno momento de concertina para “fazer moche” (“Se o vinho alegra a gente / eu fico contente por me emborrachar”), ou não devesse ao instrumento parte do seu nome e identidade.
Se é certo que a persona Chico da Tina é sobretudo cómica e feita com leveza e humor, é bastante difícil ignorar o talento e dedicação com que Chico da Tina se atira às suas canções, assim o carinho demonstrado aos seus companheiros e fãs. Apesar de alguma agressividade trazida em canções como “Põe-te fino” (“mijo-te em cima / ainda fumo um nite / biqueiro na fronha / chama-lhe high five”), o universo Chico da Tina é sobretudo feito de amizade, festa, tinto e ironia. É, aliás, precisamente na subversão do que é esperado duma estrela de trap ou hip hop, cuja masculinidade é muitas vezes vincada pelas posses materiais e violência, em Chico da Tina tudo isso relegado a um papel de fantasia. Essa fantasia parece vinda da imaginação de quem passou muito tempo em casa de amigos a jogar consola e a fumar uns cacetes, de quem se quer exprimir através do “americaníssimo” trap mas samples, iconografia e temáticas bem portuguesas: No mundo de Chico da Tina, o cenário não é um clube popular de Miami mas sim uma romaria em Ponte de Lima ou Freamunde, o revólver é de plástico e está ligado a uma máquina de arcada, o seu carrão é feito de animações 3d manhosas. É kitch, é. Mas é da melhor forma possível: é irresistível, familiar e hilariante.
Além dos esperados pontos altos em músicas tão bem conhecidas como “Ronaldo” e “Freicken” ou “Resort”, “VianaViceCity” e “Nós Pimba” (que estarão incluídos no novíssimo álbum “E Agora Como é Que é“), sempre que Tripsy se juntava a Chico da Tina para duetos como “Princesa dos meus sonhos” ou “HEART” a sua química invadia as ondas sonoras do recém batizado Super Bock Arena, transformando-o intimamente num polivalente de qualquer secundária pública do país.
Já passava da meia noite e meia quando o carrinho de choque teve que partir da feira para outras andanças. O próximo encontro fica marcado para o verão, lado a lado aos grandes nomes da música mundial no Primavera Sound.
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quarta-feira, 29 dezembro 2021