Baleia Baleia Baleia no Porto
Há concertos, há performances e depois há a dose de adrenalina que os Baleia Baleia Baleia - o dynamic duo formado por Manuel Molarinho e Ricardo Cabral - proporcionaram quando invadiram o Maus Hábitos, qual furação imparável a destilar rock 'n roll como se o amanhã não fosse uma realidade garantida. Uma festa inegavelmente épica, rockalhada da boa num clima de suada celebração eufórica. Foi pujante, foi a sessão de liberdade e divertimento sonoro que o nosso corpo e mente tanto pediam, e foi tudo aquilo que precisávamos para expulsar as frustrações destes tempos confusos e incertos que vivemos.
De certa forma, não podemos descrever a beleza deste concerto sem mencionar a pandemia, não por querermos recordar a agonia desses dias negros em que os confinamentos obrigavam à interrupção da atividade cultural, mas porque foi precisamente a tristeza de não poder estar junto do pessoal, a sentir o conforto do calor humano - a banda não faz sentido sem as pessoas, sempre fizeram questão de afirmar - que lentalmente se acumulou no interior deste duo até originar a mais libertadora catarse. O concerto foi longo ( durou praticamente duas horas), mas a sede de voltar a desfrutar dos palcos em condições mais favoráveis, com menos restrições, assim o obrigou. Muitas vezes parecia que não o queriam acabar, como se estivessem a adiar ao máximo a inevitável despedida, mas o público que aderiu com gosto ao convite, e que preencheu muitíssimo bem a sala, também não parecia desejar um final prematuro - a vontade de eternizar a magia do momento era claramente maior.
No entanto, a verdade é que esta atuação desde logo se previa especial, pois serviu também para apresentar oficialmente ( leia-se, nos palcos) os temas do segundo álbum, intitulado “Suicídio Comercial” e editado a 2 de Fevereiro ( 2-2-22,não escapa o simbolismo), através da Saliva Diva, essa bela editora e comunidade unida de melómanos fundada pela dupla de anfitriôes desta noite. Um álbum inegavelmente dinâmico e coeso, que cruza sabores de punk “maduro”( as palavras são deles) com uma sensibilidade pop palpável, mas que parece renascer - ou assumir o seu potencial máximo, se quisermos - quando passa do estúdio para o palco, o que efetivamente faz todo o sentido: é este o seu habitat natural, a fonte de energia e intimidade calorosa que lhe confere uma renovada vitalidade. De certa forma, pode-se olhar para o disco, valioso por si só , como o trailer do filme que constitui o espetáculo ao vivo do grupo. Ouvimo-lo em casa, aguçamos a curiosidade ao imaginar a explosão de euforia que aí vem, e confirmamos posteriormente todo esse potencial, ao ponto de o álbum até ganhar outro encanto quando o absorvemos com a garra desta apresentação bem fresca na memória. Entre temas novos e alguns mais antigos(incluindo a maravilhosa "Interdependência", que abriu e terminou o concerto num encore que nos soube pela vida porque, enfim, aquela melodia é francamente irresistível e espantosamente orelhuda), os Baleia destilaram uma sessão de rock de alto nível- e alto volume também. Todavia, o que mais encantou foi mesmo a comunicação extraordinariamente orgânica que mantiveram com o público: é certo que tinham amigos presentes- colegas de outras bandas que ali estavam para mostrar apoio, afinal não é esse o espírito do verdadeiro underground? - , mas podiam estar a atuar para um bando de desconhecidos que a postura seria a mesma. Funcionam totalmente como uma banda do povo , derrubando barreiras para que todos estejam ao mesmo nível a saborear a doçura do momento.
Olhávamos em redor, para as pessoas a dançar e a saltar, e de repente lá víamos Molarinho, que inicialmente ostentava uma - t-shirt dos Fugly (a mais recente “ aquisição” da Saliva Diva) antes de a tirar quando calor e a intensidade da entrega já se faziam sentir, a tocar, todo contente, no meio da plateia. Pelo meio, reconhecia publicamente certos membros da audiência ou agradecia ao técnico de som que, como fez questão de explicar, era a única razão para estarem a soar bem, já que eles aparentemente não tocam “ uma piça” (hey, o rock 'n roll é suposto ser rude e irreverente, caralho); nós discordamos dessa declaração do nosso estimado frontman , mas também não interessa, pois o mais importante é que assistimos a uma valente lição na arte da mais pura descarga rockeira - muito , mas muito superior ao que certas bandas veteranas são capazes de oferecer . Sem dúvida alguma, ainda sabem ser “punk até ao osso”…
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quarta-feira, 16 fevereiro 2022