Taina Fest
Já uma tradição bem familiar e sempre querida, o Taina Fest regressou domingo passado ao CCOP e mostrou-se igual a si mesmo - divertido, relaxado, recheado de bons sons e, não menos importante, uma generosa oferta de comes e bebes. Por outras palavras, uma tarde dedicada ao convívio, à diversão e à saudável descoberta musical - o que mais se pode pedir, especialmente após dois anos marcados por confinamentos e uma agenda cultural naturalmente limitada?
A programação começou pouco depois das 16h, no Pátio do CCOP, com o set de Instruções Rituais, uma maneira calma e eficaz de se ir criando ambiente enquanto as pessoas chegavam e punham a conversa em dia. Aliás, podemos mesmo dizer que essas primeiras horas foram passadas assim - a conversar, a curtir os sons tão harmoniosos quanto misteriosos deste set idiossincrático (que muito vai beber a um “underground” perdido e obscuro dos anos 70 e 80) e, no fundo, a deixar-nos levar por todo este ambiente de descontração contagiante. Para quem prefere passar logo para os concertos isto pode soar a uma enorme perda de tempo, mas é precisamente nestes eventos que cultivamos preciosas interações que as rotinas diárias nem sempre permitem, e só por isso já vale a pena sair de casa, acreditem.
Contudo, a verdade é que também assistimos, já ao final da tarde, a um grande concerto por parte dos Senyawa, dupla da Indonésia cuja sonoridade soa extraordinariamente única mesmo que vagamente familiar (ou seja, há referências que podemos citar, mas há também um sentimento de originalidade que é particularmente refrescante) . Música densa e intensamente espiritual, fascinante cruzamento entre as tradições sonoras da Indonésia e um experimentalismo avant-garde surrealmente visceral e transcendente. Tudo aqui soa remoto, como o produto esotérico de um ritual ancestral, e gradualmente vamos mergulhando na magia deste universo que tanto intriga como rapidamente seduz. Em vários momentos parecia que estávamos perante uma versão mais exótica de uns Einstürzende Neubauten em diálogo constante com os Swans , mas não há como negar que a fórmula do duo é inegavelmente singular, fantástica homenagem às raízes do passado num formato arrojado e futurista. Basta olhar para aqueles instrumentos que eles próprios constroem a partir de materiais como bambu para percebermos como, no inconfundível mundo que habitam, o passado e o presente se misturam para formar um só.
E depois, claro, há a voz de Shabara , ora gutural e gritante, ora solta e majestosa, mas sempre profundamente apaixonada , como se ele próprio estivesse sob o efeito de algum feitiço, ou dominado pela força descomunal destes sons poeticamente catárticos, em determinadas alturas estranhamente hipnotizantes (sobretudo quando as composições são invadidas pelo toque violento de um tribalismo possante, aí até sentimos o coração a ser punido).
Enfim, uma prestação altamente gratificante, que resultou muito melhor por ter tido lugar no auditório do CCOP e não ao ar livre, pois é um som que praticamente “ pede” a intimidade reconfortante de uma sala para realmente se espalhar e instalar uma atmosfera envolvente, mágica e, neste caso, suficientemente potente e arrasadora. Felizmente para nós, podemos dizer que “viajamos” livremente sem termos saído do lugar… A sensação, confirmamos, foi maravilhosa e deixou-nos uma boa recordação eterna.
Já fora do auditório e de volta ao exterior, aguardávamos por Kelman Duran, artista oriundo da Républica Dominicana e atualmente radicado em Los Angeles. Foi-nos dito pela organização que este chegaria um pouco atrasado por ter perdido o comboio, mas felizmente que a espera não foi muito longa e que o imprevisto não pareceu ter grande efeito em Kelman; habituado como já está ao clima alucinante das festas de L.A., imediatamente conseguiu pôr a audiência a mexer numa espécie de after que não era bem after, mas que assim nos pareceu. Olhávamos à nossa volta, para malta a dançar de forma absolutamente épica( em determinados casos nem dá sequer para descrever, só mesmo lá estando) ou até a interagir com o próprio Kelman durante o set, como se este fosse um amigo de longa data (talvez a conexão surja assim naturalmente, quem sabe) e sentíamos-nos bem, seguros e felizes; sentíamo-nos, acima de tudo, no lugar certo… Uma tarde muito bem passada, não haja dúvida. Que venham mais assim!!!
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quinta-feira, 21 novembro 2024