Tramhaus
Noite de rock bem animada e suada, aquela que se viveu no Maus Hábitos na passada segunda-feira. Apesar da chuva não proporcionar o cenário mais apelativo para saídas, a verdade é que a sala já se encontrava muito bem composta quando os Tramhaus subiram ao palco. Exímios autores de um post-punk abrasivo e vigoroso que ocasionalmente se deixa contagiar pelo encanto frenético do noise (imaginem os Viagra Boys a trocar ideias com os METZ numa efusiva noite de copos, e acreditem que ficam com uma ideia bem clara do que por aqui se ouve) , destilaram 45 minutos de uma admirável pujança rockeira capaz de mover o corpo e revigorar a alma.
O ambiente que se respirava no Maus Hábitos era particularmente irresistível, cheio de pessoas a dançar, a pular, a filmar para mais tarde recordar (muito honestamente, sentimos que era mesmo esse o objetivo, até porque esta festa tinha de ser imortalizada de algum modo) e a dar tudo ao som desta inspiradora descarga de adrenalina - impiedoso ataque de indignação jovial e enérgica. Mas se a garra inabalável do quinteto de Roterdão se revelou entusiasmante, não há como negar a importância da atmosfera intimista na criação daquela magia quase impossível de descrever com palavras , mas que sente , e com o qual se vibra, quando se está mesmo junto ao palco, a levar com a intensidade revigorante de uma selvajaria sonora irreverente .Foi aí, nas filas da frente, onde tudo soou alucinante, vivo e “colorido”, o calor humano a aliar-se ao poder arrepiante e ensurdecedor de guitarras “ nervosas” que alternavam entre momentos mais melódicos, praticamente à espera de se perderem na euforia viciante do “rasgo” punk, e explorações sónicas verdadeiramente apoteóticas.
Pelo meio, vozes inconformadas e até brejeiras, a evocar uns Sleaford Mods um pouco menos agressivos, mas ainda assim autênticos e frontais, completavam os ingredientes para uma rockalhada bem pujante e catártica. Sim, é certo que a fórmula do coletivo está longe de ser inovadora, mas mostra-se capaz de produz malhas potentes e aliciantes, genuínas de um modo maravilhosamente simples e direto, como “Beep Beep”, “Karen is a Punk” (raiva orelhuda no seu melhor) ,“ I Don't Sweat”, ou “Make It Happen” ( aqueles riffs totalmente 90s encantam e fazem sonhar) . Contudo, o grande destaque vai para “Amour Amour”: feroz e orgulhosamente ruidosa, recorda as camadas de feedback exemplarmente construídas por ícones como os Sonic Youth ou mesmo The Jesus Lizard, sendo claramente uma das mais pungentes e memoráveis composições que o grupo alguma vez escreveu.
Enfim, celebração feliz de um rock sem merdas, sentido e absorvido no clima familiar que só o underground, na sua intimidade encantadora, consegue proporcionar. Quando, no futuro, os virmos confirmados em salas ou festivais de maior dimensão ( e têm tudo para aparecer num cartaz de Paredes de Coura não muito distante), sorriremos e recordaremos a bela noite em que os vimos num clube pequeno e íntimo, a dar tudo e a falar com a malta , nos corredores do Maus Hábitos, após o concerto. São esses os momentos que preenchem a vida de um melómano, e que merecem ser guardados com carinho.
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Organização:Lovers & Lollypops
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quinta-feira, 26 dezembro 2024