Segundo “ Adiversário” Saliva Diva
Quando as saudades já começavam a apertar, eis que se deu o regresso das matinés da Saliva Diva, desta vez para a comemoração do segundo “adiversário” da editora/promotora portuense. Não, não se trata de um erro ortográfico, mas sim da designação usada para descrever este segundo aniversário cuja celebração teve de ser adiada por motivos já demasiado familiares e que, convenhamos, nem vale a pena estar aqui a explicar.
Importa, isso sim, salientar o saudável clima que por aqui se respirava, numa contagiante partilha de energia e boa disposição. Uma atmosfera, aliás, que o próprio CCOP acaba por cultivar através do conforto harmonioso das suas instalações, em que basta espreitar a zona da esplanada para rapidamente encontrarmos caras conhecidas com quem iniciamos conversas que se prolongam até perdemos a noção do tempo. Só depois, ao escutar o aviso da organização, é que subitamente nos apercebemos que está mesmo na hora de subir aquelas escadas que dão acesso ao auditório e onde, como se costuma dizer, a magia acontece.
E magia foi mesmo o que Daniel Catarino espalhou em palco quando se apresentou em formato trio na companhia dos amigos Manuel Molarinho( baixo) e Pedro Rafael( bateria). Autor de um rock bem direto e orelhudo, selvagem num formato irresistivelmente despojado, cativa pelo sentimento espontaneamente popular de malhas que são manifestos, malhas de conteúdo inconformista embrulhadas num pacote humorístico em que a acessibilidade nunca deixa de soar feroz. Cantautor carismático e afável, eloquente no modo como é delicadamente irreverente, relata os infortúnios da vida diária - dele e de muitos outros, o sentimento comunitário é que dá poder à mensagem - , onde muitas vezes o melhor remédio para lidar com a merda é mesmo desabafar com umas gargalhadas à mistura; como ele próprio disse, canta “canções alegres sobre desgraças”, e esse paradoxo nunca se revelou tão necessário. Humor como catarse , música de intervenção que é também reflexão astuta, tudo se traduz num rock 'n' roll vital que não tem medo de partir para o calor de uma jam session incendiária, e que é tão orgânico, fluido e mesmo “sujo”( mas sem deixar de soar imaculado, esse equilíbrio é que é honestamente surpreendente) que parece saído da descontração boémia de um bar intimista preenchido com amigalhaços. Uma rockalhada de feeling old school - há resquícios da simplicidade grandiosa de Springsteen, mas também momentos que fazem pensar nos UHF -, feita com um requinte admirável, e com uma naturalidade de quem sente no coração o que canta com a garganta. Foi honesto, foi divertido, foi do caraças.
Seguiram-se os Palankalama, que por aqui passaram para apresentar o seu novo trabalho “Lama pela Anca”. Outro caso de uma simplicidade regada com humor, mas aqui num registo bem diferente: imaginem um jazz meio apunkalhado e de vibe funk, instrumental festivo para dar aquele pezinho de dança, e é mais ou menos isso que aqui se ouve. Pelo meio, um mergulho na tradição da música portuguesa para a exibir com sabor contemporâneo, através do recurso à viola braguesa ou ao cavaquinho, oferecia um toque exótico que, nos seus melhores momentos, nos remetia para a harmonia “quente” de uns Dead Combo. Um concerto competente, sem dúvida, mas que originou uma “viagem” algo irregular, já que alguns momentos se revelaram mais entusiasmantes do que outros. Ainda assim, não deixou de proporcionar uma sessão de encerramento claramente agradável, até porque fez o público dançar e aplaudir.
No final, se a música já tinha efetivamente terminado, a matiné ainda não tinha realmente chegado ao fim. Isto porque havia ainda um delicioso bolo para comer no bar/esplanada do CCOP ( afinal de contas, era o aniversário- perdoem, adiversário - da Saliva) e um sorteio para dois cabazes que incluíam vinis, discos, um par de meias Saliva Diva (bem reconfortantes agora no inverno), um tote bag e também… uma garrafa de vinho do Porto. Perante toda esta oferta num só evento, não há como resistir: porque mais do que apoiar o underground, estamos aqui a apoiar uma família, uma comunidade que vai gradualmente sendo construída. Venham mais tardes assim, por favor!
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Organização:Saliva Diva
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sábado, 23 novembro 2024