Sepultura
Crowbar
Foi perante uma sala totalmente cheia que os Sepultura assinaram mais um regresso a Portugal, o segundo a ter lugar no Hard Club depois da estreia em 2017. Um concerto que, na verdade, era suposto já ter acontecido em 2021, mas que a pandemia obrigou a adiar como fez a tantos outros, o que só contribuiu para tornar este retorno ainda mais especial.
E se dúvidas havia sobre a atual vitalidade do quarteto brasileiro, estas foram dissipadas quando a banda entrou logo a matar ao som da novidade “Isolation”, violência thrash desenfreada que constitui o perfeito tema de abertura. Seguiu-se o clássico “Territory”, do lendário “Chaos A.D.”, e aí tornou-se bem evidente como os Sepultura de hoje navegam confortavelmente por toda a sua história, delineando um alinhamento que tanto honra o passado como celebra o presente. Num total de dezassete temas, oito foram da era pós- Max, e até defendemos que o número podia ter sido mais elevado, mas compreende-se a necessidade de satisfazer a nostalgia dos fãs old school. Por outro lado, é de louvar o modo como valorizaram o mais recente “Quadra” através da inclusão de seis músicas no setlist, numa óbvia demonstração de orgulho em relação a um disco que é um verdadeiro manifesto de relevância contemporânea, triunfal conclusão de um processo de renascimento espiritual que, de certa forma, se iniciou com a entrada de Eloy Casagrande. Esse, claro, permanece uma implacável máquina de precisão rítmica, um verdadeiro animal que domina a bateria de um modo quase ritualístico e adiciona ainda mais complexidade e criatividade às músicas que interpreta - como a certa altura alguém comentou, “o gajo deve ter feito um pacto com o diabo”. Não confirmamos se as famosas ações de Fausto foram emuladas, mas o que é certo é que estamos perante um autêntico prodígio da bateria, que não abrandou o ritmo mesmo depois de ter partido a perna este ano. Será humano?
Mas não só de Eloy vive o grupo: destaca-se também o guitarrista Andreas Kisser, exímio no equilíbrio entre virtuosismo melódico e agressão dissonante, mestre de contrastes sonoros que se revelam coesos e uma das maiores forças criativas no núcleo da banda. Dividindo o papel de frontman com Derrick, refere, a certa altura, que estamos aqui a celebrar o heavy metal, os Sepultura… e a vida. Uma frase algo agridoce quando proferida por quem acabou de perder a esposa, mas que é mais um exemplo do espírito de perseverança de uma banda que sempre se levanta quando vai ao chão.
Símbolo dessa determinação é, aliás, Derrick Green, que com o passar dos anos foi ganhando mais confiança e é hoje um vocalista portentoso. Sim, em certos momentos ainda sentimos falta daquela visceralidade deliciosamente primitiva e absolutamente arrepiante de Max, mas nesta noite também escutamos temas como “Agony of Defeat” ou “Machine Messiah”, que só existem no universo dos Sepultura graças à versatilidade vocal de Derrick. Além disso, aquele registo ríspido e “rasgado”, de uma crueza emotiva que vai beber ao hardcore, pode não agradar a todos, mas tem um encanto muito próprio, uma beleza singular que o torna único.
Todavia, nem tudo foi perfeito. Apesar de ter evoluído muito, Derrick nem sempre é tão solto e espontâneo quanto seria desejável, repetindo há anos certas frases que se tornam um pouco enfadonhas para quem os acompanha regularmente. Além disso, o som nem sempre se mostrou particularmente equilibrado, com a guitarra a soar, por vezes, algo estridente.
Ainda assim, assistimos a um concerto bem sólido e coeso, em que composições como a vibrante “Kairos” ou a demolidora “Capital Enslavement” (Derrick soa possesso e imponente nesta, bate forte) foram debitadas com a mesma pujança de clássicos como “Arise”, “Refuse/Resist” ou mesmo pérolas perdidas como “Cut- Throat” e “Infected Voice”. O apoteótico encerramento proporcionado por “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots” pôs um ponto final a uma prestação claramente satisfatória de uma banda confortável com o passado e focada no futuro.
Mas houve mais, incluindo um soberbo regresso dos mestres Crowbar para mostrar como o peso monolítico de riffs imortais e monstruosos, daqueles que movem montanhas, também é capaz de penetrar a alma e fazer-nos sentir, bem cá dentro, a emoção avassaladora de um sludge monumental. Kirk Windstein pode estar a ficar velho - aquela enorme barba branca chega mesmo a ser caricata - , mas continua a ser um dos melhores criadores de riffs na história da música pesada. Numa prestação bastante bem conseguida saborearam-se uns quantos temas recentes, mas foi a sequência final, com as intemporais “All I Had( I Gave)”, “Planets Collide” ( aquela melodia soa a uns Sabbath super opulentos, caraças) e “Like Broken Glass” a dar o troque extra de grandeza. Com o público a berrar “Crowbar” diversas vezes, urge regressar em nome próprio, porque mais do que um concerto, isto foi uma lição preciosa de intensidade requintada. Impossível resistir.
E o que dizer da estreia dos míticos Sacred Reich? Demoraram mais de três décadas (especificamente 35 anos, foi em 87 que lançaram o disco de estreia) a pisar um palco nacional, mas deram tudo como se fossem miúdos no auge da sua juventude. A sensação que passam é mesmo essa, a de um grupo de veteranos completamente rejuvenescido, como se o facto de nunca terem atingido o mesmo nível de reconhecimento de outros nome do thrash os motivasse a mostrar que não merecem ser subvalorizados. E não merecem mesmo, sobretudo quando malhas como “ The American Way”, “ Death Squad” ou a estupenda “Surf Nicaragua”, hino de um underground saudosista, ainda provocam ondas de entusiasmo pelo corpo todo, sobretudo esta última - simplesmente magistral. Pelo meio houve espaço para temas novos, discursos de apelo à paz e ao amor por parte do vocalista/baixista Phil Rind, e um Dave McClain - esse senhor que durante muitos anos pertenceu aos Machine Head - a mostrar que ainda é um potentíssimo baterista, que honra foi vê-lo. No fim, a mensagem era clara: a idade é só um número quando o espírito se mantém jovem.
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Organização:Prime Artists
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quinta-feira, 21 novembro 2024