Reportagem Pile no Porto
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Após terem passado pela mais recente edição do Nos Primavera Sound, onde ofereceram uma dose inspiradora de guitarras nervosas na última das tardes do festival, os norte-americanos Pile voltaram ao Porto para desta vez pisarem o palco do Maus Hábitos, trocando a imensidão de um evento mediático pela intimidade de um clube pequeno. E se no Primavera estiveram muitíssimo bem - na verdade , foram mesmo um dos maiores tesouros de todo o festival - , nesta noite assinaram uma prestação absolutamente irrepreensível. Na bagagem traziam a novidade “ All Fiction”, um registo mais experimental onde a tensão habitual é expressa de forma delicada e contida, mas ainda assim extremamente palpável, e foi logo com a envolvente “It Comes Closer” que tudo começou. Melodias ternas e luminosas, com algo de onírico, sugeriam um rasgo de energia que se deixava ficar pela ameaça sem nunca partir para a concretização( aqui, mais tarde a história foi outra), numa peça viciante que lentamente provocava ondas de entusiasmo pelo corpo enquanto nos conduzia a um estado de espírito idílico. Um começo perfeito, não haja dúvidas.
Seguiram-se as novidades “Loops” e “Gardening Hours”, e à medida que o concerto avançava, mais poderoso e excitante ia ficando, como uma bola de energia progressivamente colossal. E se é inegável que os Pile de hoje são um grupo ligeiramente diferente - aliás, essa reinvenção fez-se sentir através da presença de sintetizadores que coexistiam com as guitarras e uma bateria colocada bem no centro do palco- , ao vivo permanecem tão incendiários como da primeira vez que os vimos, avassaladores debaixo de um sol tão abrasador quanto os riffs que aí libertaram. Chega mesmo a ser arrepiante testemunhar esta “transformação”, ainda mais explosiva e genuína em ambientes como este- íntimos, desprovidos de barreiras, em que a informalidade é emancipadora.
E foi assim, em comunhão com um público extraordinariamente dedicado - afinal, falamos aqui de uma das mais queridas bandas de culto da actualidade, acreditem que o following é real -, que o coletivo de Boston se lançou numa exploração de ruído absolutamente catártica e magistral, destilando beleza etérea num formato inacreditavelmente ensurdecedor. Estávamos efetivamente em êxtase , os nossos ouvidos a ser punidos com a mesma intensidade com que a nossa alma ia sendo purificada, e tudo nos soava tão autêntico e visceral que era impossível não sentir na pele aquelas guitarras a berrar em euforia, exímias na descarga crua e apaixonadíssima de uma distorção descomunal. E o melhor disto tudo é que o tamanho da sala só a tornou mais selvagem e impiedosa, sobretudo para aqueles de nós que insistem em dar tudo nas filas da frente. Claro, houve bastante espaço para melodias imaculadamente trabalhadas, mas o que aqui tínhamos era uma banda de slowcore a deixar-se levar pela veemência do noise e a fazer flirt com o espírito do post-hardcore, numa jarda tão irresistível , mas ao mesmo tempo tão poética, que mil palavras mal conseguem fazer-lhe justiça. Contudo, urge dizer: isto foi lindo, enérgico e barulhento, uma entrega soberba e pujante. À saída, fisicamente exaustos e ainda a recuperar a audição, ouvíamos comentar “são melhores ao vivo do que em disco” e parece-nos pertinente referir, ou clarificar se preferirem esse termo, que não é que a banda liderada por Rick Maguire seja má em estúdio- muito pelo contrário, arquiteta obras dignas de serem ouvidas- , mas em palco dá-se a “experiência Pile” em todo o seu esplendor. Enfim, só mesmo vista , sentida ou até partilhada com a comunidade que também a vive , e que nesta noite, após o concerto ter terminado, correu para a fila do merch para comprar t-shirts ou vinis que esperava poder ver autografados.
Está aqui o espírito do underground, escrito com garra e suor; nós ousamos pensar que nada o supera.
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sábado, 22 fevereiro 2025