Reportagem Roger Waters
São poucos os artistas que se possam gabar de ter um legado tão rico e consolidado como os Pink Floyd, com a discografia da banda de culto britânica, dona e senhora do conceito de ‘rock progressivo’, a ser intemporal. Tal como em heranças de família, a obra de Nick Mason, David Gilmour, Richard Wright, Syd Barret e Roger Waters é carinhosamente passado de pais para filhos. E foi sobre este último que muitas famílias esgotaram a Altice Arena para ver o regresso de Waters por Portugal, 5 anos após a sua última passagem.
Em ano de celebração dos seus 80 anos, Roger Waters encerra o ciclo da sua vida em palcos através da This Is Not A Drill tour, com Lisboa a figurar na tournée europeia e a contar com duas noites (esgotadas) na Altice Arena. Naturalmente, a despedida teria de ser feita com pompa e circunstância, contando com um palco 360º e uma arrebatadora produção audiovisual que, na sua junção, transcenderam a noite de 18 de março para uma experiência que a vasta e heterogénea tela humana que pintou a maior sala de espetáculos do país guardará para sempre.
Momentos antes de “Confortably Numb” dar o arranque a (quase) 3 horas de concertos, o aviso foi dado: “se gosta de Pink Floyd mas não suporta as opiniões políticas do Roger Waters, pirem-se daqui” (com ‘pirem-se’ a ser escrito com ‘f’ e em inglês). Houvesse concordância ou não, a tarefa de arredar pé tornar-se-ia complicadíssima assim que as primeiras notas de “Another Brick in The Wall” se soltaram, trazendo consigo um ou outro pé de dança por parte de Waters, à lá Mick Jagger, arrancando o entusiasmo e alinhando os pulmões dos milhares que cantavam um uníssono a canção que há muito se tornou numa arma.
Para o bem ou para o mal, a componente política num concerto de Waters é clara como a água. E foi através de “The Powers That Be” e “The Bravery of Being Out of Range” que as primeiras mensagens políticas começaram a ser emitidas pelos gigantescos ecrãs que sobrevoavam o palco, com referências às mortes de George Floyd ou de Marielle Franco, na primeira, e de críticas aos governos de Bush, Trump ou Obama, nesta última, sendo pouco depois seguidas pela harmoniosa “The Bar”, tocada a solo no piano. Destaque ainda “Run Like Hell” e exposição sobre as situações Chelsea Manning e de Julian Asange, defendendo a sua libertação.
Numa noite que se fez, na sua forte maioria, dos grandes êxitos dos Pink Floyd, as reminiscências da carreira de Waters, desde o início da década de 60 até ao término da banda, surgiam através de algumas das mais icónicas canções do grupo. De “Shine On You Crazy Diamond” a “Wish You Were Here”, passando por “Sheep”, “Money” ou “In The Flesh”, esta última a abrir a segunda metade do concerto e que contou com Rogers em uniforme militar e de metralhadora na mão, isto enquanto um porco insuflável sobrevoava a Altice Arena, no qual se lia “f*ck the poor”.
Já muito perto do final, e depois de duas noites irrepreensíveis, “The Bar” voltou a ser ouvida, desta feita em jeito de celebração e com direito a um brinde entre Waters, no piano, a sua talentosa banda, com claro destaque para Jonathan Wilson, encarregue de uma das guitarras de apoio, e o público da Altice Arena, que já acusava a saudade da despedida deste grande e velho amigo.
A despedida, porém, foi feita em tom de marcha e ao som de “Outside The Wall”, naquela que, muito provavelmente, terá sido a última noite de Roger Waters por palcos lusitanos. E se assim foi, os quase 40 mil que encheram a Altice Arena por duas noites, levarão para sempre o brilhantismo de um artista que ajudou a escrever um dos mais belos capítulos não só do rock britânico, mas como também da música como a conhecem. Roger Waters, para sempre, intemporal.
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quinta-feira, 21 novembro 2024