Soul Glo + Hetta
Em plena véspera de mais uma edição do Primavera Sound, tivemos direito ao mais belo aquecimento que a semana podia proporcionar: a estreia em terras portuenses dos norte-americanos Soul Glo, uma das mais excitantes propostas do punk/hardcore contemporâneo que não só mantém o estilo vivo, como lhe confere toda uma renovada vitalidade. Na bagagem traziam o mais recente “Diaspora Problems”, editado pela influente Epitaph - a editora fundada por Brett Gurewitz, guitarrista dos Bad Religion, que por cá também estiveram na mesma semana - e foi perante um Maus Hábitos cheio que os Soul Glo se lançaram numa impressionante sessão de selvajaria sonora, tão intensa e implacável ao ponto de nos deixar francamente arrepiados. Energia explosiva “cuspida” com uma veemência assustadora , naquela entrega típica do hardcore mas aqui com um nível de agressividade surrealmente visceral mesmo para os padrões do estilo. O som a um volume ensurdecedor engolia esta sala transformada em sauna caótica e intimista (aliás, o baterista TJ Stevenson chegou mesmo a tentar abrir a janela junto ao palco, sem sucesso), e o entusiasmo desenfreado manifestava-se no mais selvagem mosh do qual nenhuma alma conseguia escapar - caramba , até malta pendurada nas estruturas do teto chegamos a ver. Loucura catártica a consumir-nos o espírito e a levar-nos à euforia punk endiabrada - como não, com malhas do caraças como “Gold Chain Punk( Whogonbeatmyass?)” ou “Jump!!( Or Get Jumped!!!)((by the future))” ?
Mas o mais impressionante - para além desta descarga irrepreensível que até nos intimida quando sobre ela escrevemos- é o modo como o grupo de Filadélfia também inclui samples que os aproximam de outros territórios, como os do noise ou do hip-hop; é hardcore a transcender as fronteiras do estilo para o inovar e refrescar, estabelecendo novos limites sem lhe roubar nenhuma da genuinidade - a paixão permanece pura e feroz. Acima de tudo, sentíamos que estávamos a ver uma banda a partir tudo no seu período áureo - não foi uma sessão de nostalgia , foi porradaria do agora, fresca, demolidora, de espírito inegavelmente político e orgulhosamente indomável. Um dos melhores concertos do ano, daqueles que quem lá esteve nunca vai esquecer. Absolutamente lendário.
E sabem o que também foi incrível? Termos os Hetta na primeira parte a dar-nos uma sova de post-hardcore incendiária e imponente, com um vocalista (Alex Domingos) a passar mais tempo no meio da audiência a fazer crowdsurfing do que em palco. Musicalmente bem próximos de uns The Blood Brothers - mas com uma identidade própria claramente a ser formada - o quarteto do Montijo é um dos nomes mais acarinhados do underground atual e era evidente que havia lá muita gente para os ver, num caso raro em que a banda de abertura suscita tanto interesse quanto a principal. Contudo, não é de hypes incompreensíveis que aqui falamos, pois o grupo assinou uma das mais soberbas e viciantes atuações que já vimos este ano - de post-hardcore e qualquer género. Isto foi uma festa animalesca, eufórica e descontrolada, uma anarquia doce e majestosa que nos revigorou a alma. Com propostas assim, resta-nos dizer: a era dos Hetta, tal como a dos Soul Glo é AGORA.
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Organização:Maus Hábitos, Lda
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quarta-feira, 14 junho 2023