João Taveira / Não Se Passa Nada às Segundas
Para o último concerto da Saliva Diva na cave da Socorro em 2023, não podia ter havido melhor despedida que aquela que João Taveira, com os seus sintetizadores, proporcionou aos (infelizmente) poucos presentes que apareceram. E se é certo que a fraca adesão foi particularmente desoladora, sobretudo depois da anterior matiné da Saliva ,neste espaço, ter batido o recorde de bilheteira da sala, também é verdade que o ambiente foi irresistivelmente intimista e assumidamente underground. E o melhor é quem lá esteve levou com uma jarda de drone/ ambient verdadeiramente colossal, numa imponente escultura de minimalismo tão negro quanto apoteótico ao ponto de mexer com a alma enquanto arrepiava a pele. Por muito cliché que possa soar, acreditem que isto foi uma autêntica “viagem” , dotada de uma atmosfera tão densa que parecia pintar retratos de um mundo pós-apocalíptico em toda a sua crueza melancólica.
Foi ,aliás, desse inescapável sentimento de inquietação - curiosamente mais delicado e emotivo do que propriamente assustador - que se alimentou esta atuação que gradualmente nos arrastava para a sua “teia” de envolvência. Para isso muito contribuíram também as duas luzes brancas colocadas no chão, constantemente a piscar, e que agiam como a única fonte de luz numa sala entregue à escuridão, quase como uma espécie de presença fantasmagórica a pairar no ar, sorrateira e sussurrante. Resumindo, catarse sensorial no mais puro dos sentidos, algo quase impossível de ser fielmente descrito com palavras mas que nos deixou positivamente siderados. Acima de tudo, rodeado de um ambiente perfeito que conseguiu engrandecer uma sonoridade por si só bastante intensa( e que sem o suporte visual teria soado ligeiramente menos impactante) , João Taveira espalhou magia; sorte a nossa que a pudemos testemunhar, porque agora carregamos a beleza das suas memórias.
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quinta-feira, 21 novembro 2024