Reportagem Aimee Mann
O regresso de Aimee Mann tinha tudo para ser triunfante. Apresentando-se com uma digressão em formato acústico, acompanhada apenas por um pianista e um baixista, a cantora americana trazia na bagagem Charmer, disco do ano passado que a mostrou na boa forma de sempre, mais um legado de canções que andam há mais de vinte anos a conquistar fãs por todo o mundo. O tempo passa a correr, e de que maneira: Whatever, o seu disco de estreia, é já de 1993; mesmo ano que o disco de estreia dos Suede, que na noite anterior deram um concerto grandioso perante um coliseu despido.
No caso de Aimee Mann, foi o contrário: a Aula Magna encontrava-se bem composta, mas o concerto deixou um amargo travo a desilusão. Com um público surpreendentemente frio e distante e um espectáculo mecânico e esforçado, Mann não esteve à altura de canções tão belas como "4th of July" ou "One", naquela que, porventura, terá sido a mais fraca passagem pelo nosso país até agora.
A noite, no entanto, começou bastante bem com Ted Leo, dos Ted Leo & The Pharmacists, banda que há uns anos deu um concerto espectacular num Musicbox onde só cerca de vinte pessoas (sem exageros) apareceram para os ver, numa noite que, para os presentes, foi memorável. Se a popularidade na altura não era muita, esta primeira parte mostrou que Leo continua bastante desconhecido do público português; a qualidade, no entanto, está toda lá. As suas canções punk-rock foram aqui interpretadas apenas por uma voz e uma guitarra eléctrica, formato que resultou surpreendentemente bem. Simpático, tentando falar português ao máximo com uma cábula aos pés, o rockeiro norte-americano teve uma recepção simpática mas distante por parte de um público que não o conhecia, cantando canções como a grande "Coleen" (que resultou tão, tão bem neste formato minimalista) ou "Nothing Much to Say" com empenho e prazer. A sua voz, tão adolescente e energética, numa vertente tão distante da de Mann, certamente terá erguido algumas sobrancelhas num público que ao longo da noite se revelou distante (há muito tempo que não víamos um público tão calado, a não mandar qualquer assobio ou grito de satisfação), e fica-se com a ideia de que não terá ganho muitos fãs.
Perto do final, chamou Aimee Mann ao palco para que ambos tocassem canções dos The Both, projecto dos dois músicos e que lançará disco no início do próximo ano. Músicas simples e bonitas, mescla perfeita do universo rock de Leo com a sensibilidade da cantautora; ficou a vontade de ouvir mais. A interacção entre os dois, que contemplou piadas sobre t-shirts de bandas e outras curiosidades, soou no entanto forçada, mecânica e demasiado longa; ainda mais quando se sabe que os tópicos de que falaram e as piadas que tanto se esforçaram para que soassem espontâneas são exactamente as mesmas que contaram na noite anterior, no Porto. De espontâneo ali pouco houve; e notou-se.
A certa altura, Mann perguntou-lhe se já antes cá tinha estado, e ele disse que sim, dizendo que tinha tocado no Lux. Portugal não deixou grandes memórias em Ted Leo, e Ted Leo continua a não deixar, pela reacção do público, grandes memórias em Portugal. É um músico nato, de um enorme talento, que infelizmente nesta noite foi um peixe fora de água. Rezemos para que um dia lhe seja dada a atenção que merece.
Aimee Mann, por seu lado, estava a jogar em casa. Tendo actuado já duas vezes no nosso país, ambas no Coliseu de Lisboa, esta digressão acústica em formato íntimo trouxe-a à sala que mais tem de intimismo: a Aula Magna. Foram muitos que acederam ao chamamento, perante um concerto que tinha tudo para funcionar ao máximo, dando uma noite memorável aos presentes.
Mann entra sozinha em palco, e toca à guitarra acústica (instrumento que carregou aos ombros a maior parte da noite, excepto nos momentos em que pegava no baixo para colaborar com Leo) a bela "Going Through the Motions", canção acelerada de 2005 que resultou bem neste formato, dando o mote ao que seria a noite: íntima e minimalista.
Entram logo a seguir em cena um pianista e um baixista, com Mann a afirmar que tinha um disco novo (o já citado Charmer), e que iria tocar a seguir algumas músicas novas. "Labrador", "Red Flag River" e "Soon Enough" seguiram-se, e não resultaram nem particularmente bem, nem particularmente mal. O público, esse, mostrou-se totalmente alheio ao registo novo, recebendo as canções com frieza e aplausos mais bem-educados que entusiasmados.
"You Could Make a Killing", daquele grande disco que é Whatever, deixou no ar o receio de que nem todas as músicas foram feitas para serem tocadas neste formato, com a transição a não resultar muito bem. Fica-se com a sensação de se ter ouvido uma interpretação que não faz jus à música e, infelizmente, essa sensação acabaria por estar presente ao longo da noite. No final da canção, mais aplausos cortêses. Quando Aimee anunciou a canção, aliás, foram poucos os que se pronunciaram, mesmo tratando-se de uma das suas músicas mais antigas. Começamos nesta altura a pensar que, se calhar, os membros do público são mais fãs de Magnólia que propriamente da cantautora.
E talvez seja mesmo isso. Tanto "Ghost World" (com poucos membros do público a começarem a bater palmas apenas para desistirem rapidamente, ao verem que mais ninguém estava para aí virado) e "Borrowing Time" (um dos melhores momentos da noite, com uma bonita introdução da Cantautora – provavelmente o melhor momento de interacção com o público da noite) foram recebidas com frieza, com Mann a dar os agradecimentos do costume mas a não se mostrar particularmente empenhada em criar cumplicidade num concerto que, neste registo, bem disso precisava. Ted Leo entra de seguida para tocarem mais duas (bonitas) canções dos The Both, e para mais uma troca de piadas entre os dois que soou novamente forçada e ensaiada, por onde se incluíram elogios de Mann ao público que em nada soaram genuínos (e isso em nada nos incomodaria, não tivessem sido eles tão claramente praticados em casa). "Save Me", no entanto, foi tocada apenas por Leo e Mann, com o primeiro a dar à música um suave e maravilhoso som de eléctrica, foi talvez o primeiro grande momento da noite, em que nos lembramos verdadeiramente do quão incrível é a voz da cantora, e do quão boas são grande parte das suas músicas. O público mostrou reconhecê-la (foi das pouucas que recebeu aplausos logo ao início), mas deu-lhe uma recepção algo fria (chocante); infelizmente, nem as canções de Magnólia conseguiram aquecer os ânimos.
A canção que se seguiu foi a mais óbvia e a mais celebrada (não assim tão celebrada, ainda assim) pelo público: uma arrepiante "Wise Up" ("No debate interno que faço sobre qual é a minha música mais deprimente, esta costuma ficar bem à frente das outras"), tocada por Mann e pelo seu pianista (que, infelizmente, se afastou da linha de piano da música original e deixou esses acordes para a guitarra da cantautora), numa interpretação com a voz de Mann em perfeição absoluta (como, aliás, assim esteve ao longo da noite; o problema foi o resto) e os arranjos o melhor que podiam ser no contexto. Podia ter sido tocada com pandeireta e flauta que não teria feito diferença: é, simplesmente, uma daquelas canções tão geniais e incríveis que nada a consegue estragar. Alguns telemóveis ligados a gravar o momento, aplausos que soaram finalmente apaixonados, e começamos a pensar que se o resto da noite fosse toda assim talvez as coisas pudessem melhorar radicalmente. Infelizmente, no entanto, não melhoraram muito.
"4th of July" mostrou mais uma vez que os arranjos acústicos não eram a melhor forma de ouvir a música da cantora, e "Lost in Space" e em particular "The Fall of the World’s Own Optimism" mostraram uma tentativa falhada de, mesmo só com pianista e baixista, dar uma recta final de concerto mais energética e entusiasmante. O resultado foram versões que, como se costuma dizer, não foram “nem carne nem peixe”: nem intimistas, nem energéticas. E "One", que veio a seguir para pôr um ponto final ao corpo principal do concerto, foi de todas a que mais sofreu com este formato, deixando um sabor muito amargo na boca. Mann despede-se com um “Thanks, you guys are awesome!” rápido, pouco sentido e mecânico ainda antes do fim da música, e quando sai só um quarto do público se levanta para a aplaudir de pé. A noite, infelizmente, não estava a ser o triunfo que se esperava.
No encore, contudo, houve algumas melhorias em certos aspectos. Mann pergunta se alguém tem pedidos e ouve-se alguém pedir "Red Vines" e "The Moth". “Wow, não toco essas há imenso tempo!”, diz ela, “Okay, vamos tentar” - pequenas mentiras, já que "Red Vines" foi tocada na noite anterior no Porto, e "The Moth" foi tocada não há muito tempo noutro concerto. Se no geral as interacções com o público soaram a ensaiadas, esta foi talvez mais falsa de todas.
"Red Vines", no entanto, foi um momento lindíssimo, com o trio em palco a dar uma interpretação perfeita à música, com a canção a mostrar-se mais que adequada para este formato. "The Moth" revelou-se talvez a melhor música da noite, com aquela que será talvez a melhor letra que Mann alguma vez escreveu, numa intrepretação também certeira, ainda que com o sabor “O concerto está a acabar, e só agora é que ficou verdadeiramente bom”. "It’s Not", que terminou a noite, fez-nos sentir falta dos violinos que povoam a música e daquela bela bateria que em disco lhe fica tão bem, mas foi um bom final para um concerto que, infelizmente, nem sempre o foi. Aimee despede-se apressadamente. Parte da Aula Magna levanta-se para uma ovação de pé rápida, que teve mais uma vez um sabor a mera cortesia, e dirige-se para a saída.
Tinha tudo para ter sido uma noite memorável, mas esteve longe de o ser. Aimee Mann veio à Aula Magna em modo acústico, e ficou a certeza que essa não é, de todo, a melhor forma de ouvir as suas músicas ao vivo. Sem conseguir criar grande cumplicidade com o público, com intervenções e elogios que soaram forçados, a cantautora deu uma noite mais mecânica que intimista, deixando um travo a desilusão que, com sorte, uma próxima passagem pelo nosso país conseguirá tratar.
Resta esperar que da próxima traga com ela mais músicos, arranjos mais coesos, e uma postura que lhe permita criar uma ligação genuína com quem a ouve. As canções dela, afinal, bem o merecem... e nós também.
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sábado, 20 dezembro 2014
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