Reportagem Anna Calvi em Lisboa
Cinco anos após a sua última passagem por palcos portugueses, em alturas de promoção a One Breath, Anna Calvi voltou a sorrir em Portugal, desta feita no Capitólio, no passado sábado. Com o recente Hunter, disco de cariz autobiográfico bem elevado, a servir de atração principal nesta atual digressão, a sala de concertos do Capitólio encheu-se para descobrir as novas canções da britânica.
Antes, porém, houve tempo para um breve DJ set de aquecimento, embora as conversas do dia-a-dia ofuscassem-no quase pela totalidade, com temas de Portishead, Kate Bush e Fever Ray a passarem praticamente despercebidos. Todavia, e apesar da estadia deste DJ set ter sido mais prolongada do que o suposto, foi a partir do mesmo que se fez a ponte de abertura para a entrada de Calvi.
De cenário mergulhado em penumbra, em que a guitarra de Calvi foi a única ameaça de um rasgão pela escuridão, o concerto fez-se de arranque lento, a roçar o contido, embora tenha servido também para demonstrar a flexibilidade e destreza com que Calvi manuseia guitarra, chegando a relembrar a relação simbiótica que um deus da morte tem para com o seu foice.
“Rider to the Sea”, resgatado do primeiro disco homónimo, abriu as portas de um cenário melancólico com o seu quê de introspetivo, ou não fosse este o ambiente idílico para um álbum tão pessoal como Hunter; “Indies or Paradise”, “As a Man” e “Don’t Beat The Girl out of My Boy” não têm vagar para segundas interpretações, ou não quisesse Calvi que a mensagem fosse directa e de assimilação rápida; “esta sou eu, no meu estado mais vulnerável”.
Num palco despido de adereços cénicos, com a exceção de uma plataforma central que colocava Calvi no centro do público, a artista usou e abusou da mesma, rebolando pelo chão e içando a guitarra bem ao alto, num conjunto de momentos teatrais onde os fãs mais na dianteira de tudo fizeram para captar o momento através dos seus telemóveis. Infelizmente, e talvez aqui seja a opinião pessoal a falar mais alto, quem se encontrava mais recuado pouco ou nada conseguiu ver destes momentos icónicos, ou não tivesse o palco a uma altura praticamente idêntica à da do público.
Para além de todas as teatralidades que protagonizou na plataforma, foi nesta mesma que Anna Calvi assinou os momentos mais intimistas da noite, com “Alpha”, “No More Words” e “Swimming Pool” a prenderem a plateia por completo, com a entrega da artista a causar emoção a apelar ao sentimento, tudo isto enquanto Calvi era mergulhada na imensidão do Capitólio, que estava mais do que disposta em ouvi-la.
Pouco tempo depois, a rockidão natural de Anna Calvi, que levou inclusive Brian Eno a defende-la como sendo a “melhor coisa a aparecer depois de Patti Smith”, tomou a sala de assalto, com “Suzanne and I” e “Desire” a (finalmente) desprenderem-na das correntes que a própria a si se impôs, com a entrega em palco a juntar-se à qualidade dos seus dois músicos de apoio a porem um ponto final num concerto luxuoso que de tudo teve um pouco. Porém, o grande final far-se-ia ao som de “Ghost Rider”, versão dos Suicide, apelando a um ‘abanão de capacete’ que ninguém imaginava que o queria ouvir até o fazer. Tempo ainda para frisar o infortúnio que foi não se ter ouvido nada do seu anterior disco, One Breath, mas nem tudo pode ser perfeito, não é verdade?
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segunda-feira, 29 outubro 2018