Reportagem Arcade Fire em Lisboa - 2018
Foram precisos treze anos até que Portugal tivesse o privilégio de experienciar um concerto de Arcade Fire em nome próprio. Esse momento deu-se finalmente ontem, no Campo Pequeno, numa noite cuja antecipação era enorme, ou não tivesse a ocasião esgotado no espaço de dois dias úteis. Em duas horas e pico de concerto, os Arcade Fire não só compensaram o vasto período de espera como consolidaram o seu estatuto enquanto uma das – se não mesmo ‘a’ – melhores bandas ao vivo da atualidade.
A premissa para este concerto de Arcade Fire era ousada: um palco especial com configuração 360º a simular um ringue de boxe, quatro enormes ecrãs LCD’s suspensos no centro da sala, um jogo de luzes de perder a conta e duas bolas de espelhos penduradas no tecto. Com todo o aparato que decorava o Campo Pequeno, a rebentar pelas costuras, o tom premonitório de um concerto inesquecível era praticamente palpável, com esta afirmação a cimentar-se no momento em que os canadianos finalmente chegam ao ‘ringue’, com a sua entrada a ser feita pelo meio do público, como manda a tradição deste desporto, e a deixar a multidão num estado de apoptose tremenda.
Cinco. Foram apenas necessárias cinco notas – as introdutórias de “Everything Now” – para os Arcade Fire conquistarem logo ao início o Campo Pequeno. Dez. Em dez segundos, toda a sala estava de pé, bancadas e galerias inclusive, a dançar e a saltar ao som do grupo canadiano, gerando uma névoa de felicidade tremenda que não só contagia como nunca se dissipa, névoa esta que iria crescendo ao longo de duas alucinantes horas de concerto.
Apesar do mais recente disco dos Arcade Fire não ter reunido o consenso, tanto entre fãs como o da crítica, habitual a nível de qualidade como sempre nos habituaram, a verdade é que quando são transpostos para palco, os temas do quinto longa-duração da banda conseguem manter bem viva a chama festiva típica de um concerto de Arcade Fire, especialmente quando são sucedidas por êxitos intemporais como “Rebellion (Lies)” ou “No Cars Go”, temas que não seriam o mesmo sem a participação do público que tão carinhosamente se junta no coro destas canções.
Mesmo com um espetáculo tão rico a nível de produção, o público será sempre um dos elementos mais importantes numa atuação de Arcade Fire. Quem se aventura numa noite (bem) passada com estes tipos sabe que terá as suas emoções postas à prova: há alegria, contentamento, bondade, introspeção, surpresa, conforto e por aí adiante. Todavia, se há algo que uniu o Campo Pequeno naquela noite foi a magia, a beleza de se ter um aglomerado de personalidades e feitios distintos predispostos a deixarem-se levar por uma coletânea de canções, capazes de não só recriar sentimentos como também de sincronizar emoções ao som de uma ou outra cantiga, num momento tão singelo cuja magnificência apenas conseguiria ser equiparada nos instantes em que Régine Chassagne tomava conta do microfone nas sempre elegantes “Sprawl II (Moutains Beyond Moutains)” e “Electric Blue”.
Se há algo que sempre surpreendeu em Arcade Fire foi a atenção ao detalhe, trabalho este que se torna mais notório em cima de um palco: aos seis membros ‘principais’, em tournée juntam-se outros três de forma a recriar o mais ínfimo som, revitalizar um instrumento despercebido ou de realçar uma linha que nos deixa arrepiados do início ao fim. Numa noite marcada por um alinhamento em jeito de ‘best-of’, esta ‘dream team’ invejável fez com que sonhos que dão pelo nome de “Haiti”, “Neighborhood #2 (Laika)”, “Neighborhood #4 (7 Kettles)” e “It’s Never Over (Oh Orpheus)” se tornassem numa realidade inesperada para o público português, talvez como oferenda a um público que, nas palavras de Win Butler, “estamos muito satisfeitos de nos encontrarmos outra vez com vocês, obrigado por terem vindo”.
Desde o singalong de “The Suburbs”, passando por uma “Ready To Start” frenética, ao que se juntar ao esplendor visual que foi “Reflektor” e “Afterlife” e culminando numa poderosa e explosiva “Neighborhood #3 (Power Out)”, os Arcade Fire levaram a cabo um concerto de calibre tão elevado, que tão cedo não cairá no esquecimento. Todavia, a noite não acabaria por ali, com toda a banda a mostrar-se visivelmente satisfeita no regresso ao palco para um bem merecido encore, composto por “We Don’t Deserve Love”, com direito a karaoke a ser transmitido nos televisores gigantes e a inevitável “Wake Up”, unindo toda a sala num só e a gastar todas as energias que restavam, tanto de banda como de público, após um concerto que em tudo teve de épico e que se prolongaria bem após o término da canção em palco, com esta a ser entoada por todo o Campo Pequeno e interpretada pela banda por entre a sala dentro, culimando no exterior do recinto, para delírio dos fãs (e sufoco dos seguranças). Em suma, foi memorável.
Com o passar dos anos os Arcade Fire têm cimentado, a passos largos, o seu estatuto enquanto umas das bandas mais marcantes e talentosas desta atual geração. Face a sua sonoridade única, à capacidade de inesperada reinvenção constante e de estipularem metas cuja superação previa-se como impossível, os Arcade Fire construíram um espetáculo que não só faz jus às suas ambições como também prova que se está perante a melhor banda dos últimos quinze anos.
Em Agosto, em âmbito de festival, os Arcade Fire regressam a Portugal para mais uma edição do Vodafone Paredes de Coura. Depois de um espetáculo com as proporções do de segunda-feira passada, a fasquia encontra-se elevadíssima para o último grande festival de Verão do ano. Todavia, estamos a falar dos Arcade Fire, o que só por aí dita que eles serão os únicos capazes de se superarem a si próprios. Lá estaremos para os ver e, acima de tudo, a aplaudi-los.
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Organização:Everything is New
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quinta-feira, 26 abril 2018