Reportagem Benjamin Clementine em Lisboa | 2018
Foi lindo. Lindo, lindo, lindo. Mesmo passado um dia, e ainda um pouco na ressaca de um magnífico concerto, ainda escasseiam as palavras para descrever a noite mágica que Benjamin Clementine proporcionou a um Campo Pequeno completamente lotado. Mas vamos por partes.
Tudo começou em 2015 quando este ilustre desconhecido do grande público se estreou em Portugal no palco secundário do Super Bock Super Rock, subindo a palco num horário ainda diurno e para uma afluência longe do surpreendente. Passado uma hora, Benjamin Clementine era o nome mais falado daquele dia, surpreendendo tudo e todos e tornando-se num artista que o povo português iria manter debaixo de olho.
Dito e feito, o londrino regressaria nesse mesmo ano para encabeçar o Vodafone Mexefest, numa atuação arrebatadora, num Coliseu de Lisboa esgotadíssimo, e que assim deu como consolidado o seu estatuto enquanto um dos mais promissores artistas da nossa geração. Com o passar do tempo, Clementine tornou-se presença assídua em palcos portugueses, atuando em várias salas um pouco por todo o país, cimentando uma forte ligação com Portugal que encontraria o seu auge no magnífico concerto que deu o ano passado em Paredes de Coura.
Chegados ao 29 de Março, chegou-se também ao concerto número treze de Benjamin Clementine por Portugal, e logo pela porta grande que é o Campo Pequeno. Para essa noite, as premonições induziriam a que o ‘13’ se revelasse como o número da sorte, isto é, que Benjamin Clementine iria dar mais um excelente concerto, como tão bem nos tem vindo a habituar. Todavia, estamos a falar de alguém que não acredita em superstições: estamos perante um homem que enfrentou todas as adversidades que o destino lhe colocou pelo caminho e, mesmo assim, superou-as a todas e cumprimentou-o como se de um velho amigo se tratasse. Benjamin não acredita na bênção da sorte ou do azar. Clementine faz a sua própria sorte.
Apesar de se ter tornado numa presença assídua por Portugal, era notória a felicidade e gratidão de Benjamin Clementine por estar de volta à cidade que tão carinhosamente o acolhe passem os anos que passarem. Em jeito de agradecimento, assim que pisou o palco, ajoelha-se sobre o mesmo para beijá-lo e saudar a plateia, plateia esta que se manifestava através de uma estrondosa salva de palmas; de frisar a heterogeneidade dos presentes, desde jovens, adultos e até famílias.
Para dar a noite como iniciada, “Farewell Sonata” começa a ecoar pelo Campo Pequeno e a provocar os primeiros calafrios da noite, com o órgão tenebroso da faixa inaugural de I Tell A Fly a tornar-se arrepiante quando transposto para palco. Acompanhado por três sublimes músicos, que partilhavam a indumentária com o imperador daquela noite, Benjamin Clementine lança um charme que enfeitiça, prende e, acima de tudo, surpreende. Em questão de minutos, metade da sala estava de queixo caído, abismada com o vozeirão do britânico, enquanto a outra metade congratulava-o com palmas capazes de rivalizar o alcance vocal do britânico; quando “God Save The Jungle” chega ao fim, não haviam dúvidas de que Benjamin Clementine era o rei daquela selva, dono do rugido mais avassalador do Campo Pequeno.
Dono de um segundo disco pouco consensual entre os fãs, com uns a acolher de bom grado o registo mais experimental enquanto outros lamentam a falta de simplicidade que caracterizou At Least For Now, foi com alguma surpresa que a transposição de I Tell A Fly para palco conseguiu manter a essência de Benjamin Clementine intacta, como quando fez uma serenata ao manequim de uma criança, que representava o refugiado turco que ficou imortalizado pela fotografia do seu corpo a dar à costa de uma praia, em “One Awkward Boy” ou pelos seus jogos de vozes característicos, reminiscentes de Nina Simone, em “Phatom of Aleppovile”.
Por mais que o segundo longa duração de Clementine estivesse finalmente a ter o reconhecimento que lhe é merecido, a verdade é que grande parte do público português ainda só tem bem assimilado At Least For Now, ou não fosse este o disco que nos fez perder de amores pelo britânico. Desde uma interpretação de “I Won’t Complain” a solo, desencadeando os primeiros coros da noite, passando por uma arrepiante versão com orquestra de “Winston Churchill’s Boy” e culminando na explosiva e sempre convidativa “London”, o público português estava completamente rendido a Benjamin Clementine, com este a expressar uma gratidão genuína por um local a que a “casa” pode apelidar já faz muito tempo.
Já perto do término do concerto, e numa altura em que a noite pedia um momento de celebração de forma a contrabalançar a comunicação (directa) para com as emoções do público, registo que reinou durante quase toda a noite, “Condolence” uniu todo o Campo Pequeno, com a sala a cantar em uníssono o refrão da mítica canção de Benjamin Clementine que, tal como em Paredes de Coura, revelou-se um momento mágico e aconchegante, e de longe o ponto mais alto do concerto. Todavia, este momento foi rivalizado, e por pouco não ultrapassado, logo a seguir com “By The Ports Of Europe”, com Clementine e a sua banda de apoio a furarem pelas bancadas da sala enquanto gritavam “porto bello” constantemente, deixando todo o público a repetir a frase até as suas vozes começarem a fraquejar.
Com múltiplos “porto bello” a serem entoados e a convidar a um encore mais do que merecido, Benjamin Clementine regressa a palco para se juntar novamente a um público que fora seu, que estava na sua mão, desde o início da noite. “Jupiter”, com a letra ligeiramente alterada para referenciar Lisboa, “Nemesis” e “Adios” formaram um tripleto capaz de preencher as medidas a todos os fãs de Benjamin Clementine, de facto, e não poderíamos pedir uma despedida tão marcante e sentimental do palco. Porém, o final da noite fez-se ao som de “Orlando”, em que o britânico se desprende do seu simbiótico piano para encontrar refúgio numa guitarra, dando como terminado uma atuação que, ao longo de duas horas, teve em Benjamin Clementine um maestro teatral que assinou uma sinfonia a roçar a perfeição.
A 21 de Julho, há novamente um encontrado marcado com Benjamin Clementine, desta vez na Altive Arena, em prol do festival Super Bock Super Rock. Visto que as suas passagens por Portugal sempre foram marcadas por seguir um trajeto em ascensão, tudo nos leva a crer que conseguirá o mesmo na maior sala de concertos do país. Até lá, é contar os dias até ao seu regresso, com a certeza que saudade é algo que não irá faltar para com este artista que, lentamente, está a marcar uma geração.
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terça-feira, 03 abril 2018