Reportagem Bob Dylan em Lisboa
O recinto Altice Arena estava esgotado, filas de pessoas entusiasmadas para ver Bob Dylan neste primeiro concerto da digressão europeia “Never Ending Tour”. Espectadores de várias nacionalidades, o que não é de estranhar dado o volume de turistas que visita a nossa cidade todo o ano, várias gerações, pais e filhos juntos, qualquer generation gap se dilui, Bob Dylan foi, é e será um marco incontornável da música e uma referência na contracultura da década de 1960.
O concerto foi irrepreensível, Bob Dylan e a sua banda apresentam uma simbiose perfeita. Tudo foi executado com perfeição. A voz não é a mesma de outrora, amadureceu, tem mais graves, mas mantém a mesma projecção. A experiência das suas cinco décadas de carreira, a harmonia da banda, as suas letras pungentes, repletas de metáforas acutilantes, verdadeiros poemas, conferiu ao espectáculo uma reverência quase religiosa.
Bob Dylan e a sua banda entraram em palco vestidos de fato com casaco branco, o piano, o contrabaixo a bateria, toda uma atmosfera que nos remeteu para um espectáculo num qualquer clube de Nova Iorque ou São Francisco. Pouca produção, apenas umas cortinas e alguns holofotes, que proporcionaram um jogo de luzes ao longo do concerto. A ausência de ecrãs laterais praticamente impediu que os espectadores mais afastados do palco pudessem apreciar qualquer linguagem corporal da banda e do seu vocalista. Eu própria tive dificuldade em distinguir a silhueta de Bob Dylan que passou grande parte do concerto sentado ao piano. Mais uma vez não foram permitidos quaisquer registos fotográficos, o que é sempre uma pena porque as imagens transmitem tanta da emoção vivida nos concertos.
Com um alinhamento de 20 canções, 18 iniciais e 2 reservadas para o único encore, Dylan deu mais enfâse aos mais recentes trabalhos. O tema de abertura foi “Things Have Changed” do álbum “Modern Times” de 2006. Também do mesmo álbum ouviu-se “Spirit On The Water”, com o excelente acompanhamento de Tony Garnier no contrabaixo, e “Thunder On The Mountain”.
Presença também para os temas “Pay in Blood”, “Soon After Midnight” e “Early Kings” do álbum “Tempest” de 2012.
Lugar ainda para alguns clássicos como “It Ain’t Me Baby “, “Tangled up in Blue”, “Blowin’ in the Wind” e "Mr. Jones". Estas duas últimas interpretadas no encore do concerto.
Referência para uma versão de “Why Try to Change me Now” de Cy Coleman Jazz Trio, que fez as delícias do público.
Todo o concerto foi escutado com atenção e degustadas todas as palavras e arranjos musicais dos poemas de Dylan. Nos momentos mais efusivos podia ver-se uma ou outra silhueta feminina a dançar no segundo balcão.
Não fugindo aos ritmos que o caracterizam como sejam, o blues, rock´n roll, as pitadas de jazz e swing, grande parte do alinhamento foi interpretado com uma roupagem diferente das versões originais, o que por vezes dificultou a identificação imediata das músicas. Exemplo para “Tangled Up in Blue” e “Blowin’ the Wind” executadas com um som mais swingado.
Não obstante, o concerto foi bem executado, falhou apenas na interação com o público, esse extra que faz toda a diferença num espectáculo ao vivo.
Sejamos frontais, Bob Dylan, não é um tipo simpático. São conhecidos toda uma série de episódios ao longo da sua carreira onde não primou sequer pela diplomacia, como foi o caso da entrega do Prémio Nobel da Literatura, no qual nem sequer esteve presente. Durante todo o concerto não teve qualquer interação com o público, não disse olá no início, não apresentou o alinhamento nem a banda e nem sequer se despediu no fim.
Fico na dúvida se Dylan é um daqueles casos de timidez, ou de ar sisudo involuntário ou se ele, do alto do seu pedestal, como qualquer divindade, não quer saber de nós, insignificantes imortais.
Pelo seu talento e carreira, dou-lhe esse desconto. Foi um bom concerto e deixou-me com vontade de correr para casa e ouvir de novo o álbum “Higway 66 Revisited”.
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Organização:Everything is New
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segunda-feira, 26 março 2018