Reportagem Britney Spears no Pavilhão Atlântico
"Espoptacular"
Uma vez um amigo meu, grande fã de Britney Spears, disse-me que em concertos desse género, de grandes estrelas pop, “o que interessa é o espectáculo. As pessoas não vão lá para a ver cantar, vão lá para ver luzes, fogo, e para dançar ao som dos êxitos. E para a ver a ela, claro”.
Essa ideia de espectáculo e não tanto de um concerto sempre foi algo inerente às divas da pop. Toda a gente sabe que a Britney Spears faz playback (e fê-lo, no Pavilhão Atlântico), mas não foi isso que impediu uma das maiores salas de concertos de Portugal (estou a contar com estádios) de encher até meio. A pop (ou antes, alguma dela) é isto, afinal de contas: um espectáculo. Luzes, fogo-de-artifício, e uma artista no meio de tudo, sempre com um foco de luz em cima, que se vai movendo por entre dezenas de bailarinos e adereços, sempre com o público na palma da mão. As pessoas não vão lá para a ver cantar; vão lá para a ver, ponto. Podemos dizer que isto não é música, entre tantas outras críticas, mas nesses casos a solução é simples: não pagar bilhete para lá estar.
Britney Spears já não tem o sucesso de antes, e a sua carreira já não está no auge em que esteve com temas como Oops…! I Did It Again (que não fez parte do alinhamento) ou …Baby One More Time (que foi ouvida, mas numa versão reduzida, muito diferente da original), mas é inegável ainda a sua influência em toda uma geração de amantes do género. Tal como é também inegável um simples facto, que se verificou na noite de quarta: quer se goste quer não, a rapariga (ainda só tem 29 anos, afinal de contas) sabe dar um bom espectáculo. Sim, não se mexe como dantes (aliás, ela simplesmente não se mexe muito), nem… bem, ela cantou alguma vez? Mas tem todo um aparato cénico que disfarça (quase) na perfeição as falhas de uma artista pop que vive, mais que uma Lady Gaga, da música, e não tanto da atitude.
Não é muito difícil apreciar genuinamente coisas como Toxic ou Gimme More; afinal de contas, Spears tem ao seu serviço alguns dos melhores produtores da actualidade, que lhe arranjam beats e lhe moldam a voz como poucos sabem fazer. O mais recente disco, “Femme Fatale”, mostrou exactamente isso: uma artista mais preocupada em colocar-se ao serviço desses mestres, deixando que lhe manipulassem a voz a seu bel-prazer. Hoje em dia, a música de Spears soa mais adulta e menos adolescente, e imagino que muitos dos jovens com menos de 20 que se dirigiram ao Atlântico para a ver tenham saído desiludidos por esta não ter passado assim tanto por essa faceta mais anos 90. O seu interesse, hoje em dia, é outro. Daí que tenha “cantado” …Baby One More Time em cima duma mota, empurrada por bailarinos, numa versão da música que abandona a inocência da original.
Falando da noite em si, comecemos pelo princípio. As coisas começaram mal, muito mal, com Destinee & Paris, um jovem duo de raparigas que, sozinhas em palco (devia haver alguém lá atrás a carregar no play), tocaram durante cerca de 15 minutos um medley que pareceu ter sido retirado de uma das piores edições da Eurovisão. Plásticas em tudo, desde a voz à aparência, não convenceram minimamente em nenhum aspecto. Conseguiram fazer algum do público (maioritariamente sub-30, como seria de esperar, mas com alguns quarentões pelo meio) saltar, mas fica-se no final com a impressão de se ter visto do pior que a pop contemporânea tem para oferecer.
Depois, felizmente, a noite correu bem melhor. Pavilhão Atlântico a metade, mas repleto de entusiastas, que tinham os olhos colocados nos ecrãs onde se anunciava um countdown até ao início do verdadeiro espectáculo da noite. E quando as luzes se apagam e começa o histerismo, uma coisa se percebe: Britney Spears poderia ter dado o pior concerto da história, que o público tinha saído rendido na mesma, mas não deu. Muito longe disso.
A sua entrada no palco de dois andares, repleto de ecrãs gigantes (e com dois músicos, no piso de cima, a controlar tudo por trás de uma panóplia de sintetizadores, samplers e afins) e que viria a ter ao longo da noite tudo desde carros a ninjas (!), foi por si só fenomenal: dois dos ecrãs de baixo separam-se, e ali surge ela, em cima dum trono, enquanto soam nas colunas Hold It Against Me, empurrada por mais de uma dezena de bailarinos que não voltariam a abandonar o palco. Enorme jogo de luzes, boas coreografias e o público já está conquistado. É, afinal de contas, aquilo que se quer: uma festa. Uma grande, impressionante e bem-pensada festa.
Spears não faz muito. Vai dançando aqui e ali, mexe os lábios (numas vezes é playback de certeza, noutras parece sê-lo mas não há certezas), e deixa-se ser aquilo que se quer: o centro das atenções. Está sempre ou à frente do palco ou no seu centro, sempre com um sorriso nos lábios, seguida de perto pela sua trupe talentosa. Está, ainda assim, em melhor forma do que se pensava (ou teria eu as expectativas demasiado baixas?), e vai mantendo o sex appeal bem no alto. Não tarda muito estamos a vê-la numa jaula a dançar de forma provocadora com um bailarino, e a certa altura até pega num voluntário do público e lhe faz uma lap dance. Não dança grande coisa, e canta ainda menos, mas sabe disfarçar tudo isso muito bem. Afinal de contas, aqui o que conta é a soma de todas as partes: é o fogo-de-artifício durante Gimme More (uma das melhores do concerto, que teve em palco barcos e fogo-de-artifício, e que se ouviu numa versão quase apoteótica), são os bailarinos que rodopiam pelo palco em Piece of Me (cantada a uma só voz pelo público), são aqueles adereços a imitar colunas que brilham em Big Fat Bass. Há sempre algo para que olhar, algo com que entreter. E, do início ao fim, a diversão é garantida.
O alinhamento concentrou-se, tal como se esperava, em “Femme Fatale”, o seu último disco que dá nome a esta digressão, e foi curioso ver a forma como o público parecia saber literalmente as letras de todas as canções, tanto as novas como as antigas. Ainda assim, o público não saltava tanto quanto se esperava, e a festa podia ter sido maior do que a que foi; consequência de uma sala que podia, ao fim de contas, estar muito mais cheia. Mesmo assim, o que se viu em canções como I’m A Slave 4 U ou Womanizer foram quase momentos rave, em que os pés mal tocavam no chão.
Não há, como seria de esperar, um momento de aborrecimento. Quando Britney sai do palco para mudar de roupa (muitas vezes através duma plataforma elevatória que tanto a elevava acima do público como a fazia desaparecer para baixo), os excelentes bailarinos continuam lá, com coreografias que enchem o olho, tal como aqueles ecrãs gigantes e os adereços que vão surgindo. E quando a princesa da pop volta a surgir, tem sempre algum trunfo na manga: em Lace & Leather, surge em cima dum carro; em Toxic, já em encore, aparece rodeada de ninjas (momento mais cool do concerto?) e com um kimono que ia abanando para dar mais efeito visual à coreografia. As músicas são tocadas em versões diferentes, por vezes a soarem verdadeiramente a remixes, com resultados umas vezes positivos, outras vezes nem tanto. Teria sido bom ouvir …Baby One More Time do início ao fim, na sua versão original, mas que dizer de Gimme More ou de Toxic, tocada numa versão mais acelerada e agressiva? É tudo trabalhado para dar mais energia, para soar mais épico; e, no geral, o objectivo é cumprido. Podemos dizer maravilhas do espectáculo, que é realmente impressionante, mas ao vivo vê-se que, quer se goste quer não, Britney Spears tem músicas que são, simplesmente, francamente boas. Excelente trabalho de electrónica, tudo bem orquestrado e canções que dão vontade de saltar daqui até à lua.
Para ela isto é, claro, apenas mais uma noite. O sorriso que tem na face nunca desaparece, e as raras vezes em que se dirige ao público parecem tão ensaiadas quanto as coreografias. Quando a certa altura tem fãs em palco, não se aproxima muito, deixa-os a dançar num canto enquanto fica no meio do palco, quase imóvel. Daqui a duas semanas, provavelmente nem se lembrará desta noite. Algo que poderá irritar muitos, mas que é consequência de uma verdade simples: isto é, afinal de contas, o emprego dela, nada mais que isso.
Womanizer (que teve direito a um excelente jogo visual entre luzes e ecrãs) fecha de forma espectacular o set principal, e o encore começa da melhor forma com Toxic, de longe um dos grandes momentos da noite. Mas é o final, com Till The World Ends, que consegue realmente elevar a noite a um novo patamar. Música apoteótica por natureza, que põe todos a saltar do início ao fim, enquanto vemos Spears a ser elevada acima do público, com asas de anjo abertas, e uma chuva de faíscas sem fim que é seguida de confettis. Senhoras e senhores, é assim que se faz. Mais impressionante que aquilo é difícil. Keep on dancing till the world ends, indeed.
Foi espectacular? Claro que foi. Entreteve do início ao fim, foi francamente impressionante em vários momentos (ninjas, pelo amor de Deus!), e foi provavelmente uma noite que ficará na memória de muitos dos presentes. Podemos criticá-la por mal dançar, ter pena dela por já não ter as curvas de antes (apesar de, repito, não estar em má forma), e, claro, apontar o dedo ao playback; mas qual é o objectivo? Quem não gosta, que não vá. Ao fim de contas, quem paga quarenta euros ou mais para um concerto assim, já sabe o que esperar e sabe também o que quer: entretenimento.
A noite de quarta foi isso mesmo. Puro entretenimento do início ao fim, reveladora de uma artista que ainda sabe, afinal de contas, dar um belo espectáculo (ou, pelo menos, fazer parte da sua encenação). Ecrãs gigantes, fogo-de-artifício, confettis, palco de dois andares, dezenas de fatiotas… há sempre algo para onde olhar, algo que enche tanto a vista quanto os ouvidos (convém repetir: ela tem músicas que são mesmo boas).
É difícil sair de lá sem algo na face que não um sorriso e algum suor no corpo, de tanto dançar.
Foi muito, muito divertido e mais que isso não se podia esperar.
Que não demore muito a voltar, que coisas destas em alturas assim fazem falta.