Reportagem Caetano Moreno Zeca e Tom no Porto
Caetano Veloso, figura mítica da música brasileira, regressou ao nosso país para apresentar “Ofertório”, espectáculo onde conta com a companhia dos filhos Moreno, Tom e Zeca e onde recorda temas não só da sua autoria, mas também dos seus rebentos. Na verdade, mais do que um mero concerto do consagrado artista sul-americano, estamos perante uma celebração de um influente legado familiar, residindo aí muito do charme da iniciativa: ainda que a qualidade musical esteja obviamente presente, a verdadeira magia do concerto encontra-se no modo como tudo se assemelha a uma festa de família, como se tivéssemos sido convidados para um agradável e sereno serão na casa de Caetano & companhia.
O local escolhido revelou-se ideal, pois o Coliseu, ainda que imponente, não deixa de possuir um carácter intimista perfeito para esta actuação de cariz contemplativo (com ocasionais momentos de dança por parte dos afáveis anfitriãos) - e que se revestiu igualmente de uma simplicidade envolvente até no cenário usado – uma espécie de sol cuja temperatura (representada através de cores quentes e frias) ia variando conforme a atmosfera das composições interpretadas.
No palco, apenas vemos o pai e os filhos - consideraram outros músicos, mas cedo se aperceberam que não era preciso mais ninguém, o que só faz sentido tendo em conta a natureza extremamente pessoal do espectáculo oferecido. Todavia, o resultado final pertence a todos, pois há em “Ofertório” um forte e genuíno espírito de partilha. Ouvem-se diversas histórias, por vezes humorísticas - como quando Moreno afirma que ele e os irmãos não sabem tocar as músicas do pai, mas que o avô era telegrafista e Caetano não domina o código Morse - outras vezes mais doces e comoventes; seja qual for o registo, a honestidade marca sempre presença, pois não há aqui lugar para desnecessárias manifestações de egocentrismo. Ainda que a família Veloso tenha já construído um legado invejável, o espectáculo que aqui exibem não existiria sem nós: na ausência de uma audiência, não haveria memórias para contar, sentimentos para exprimir, e, acima de tudo, laços para criar – porque é de amor que este bonito espectáculo nasce e se alimenta. Amor pela arte de criar música, amor maternal (a canção “Ofertório” foi inicialmente escrita como homenagem à mãe de Caetano, na altura da missa que celebrou os 90 anos da senhora, ainda que nesta noite cantada como forma de o músico prestar tributo à fé dos filhos), assim como o amor que Caetano nutre por Moreno, Zeca e Tom, com quem tem agora o prazer de partilhar regularmente um palco.
Foi nesse clima de pura harmonia que escutamos temas marcantes como “ Alegria, Alegria”, “Leãozinho” (alvo de uma ovação estrondosa),” Trem das Cores” ou a recente mas belíssima “Todo Homem”, da autoria de Zeca. Quanto tudo terminou, saímos do emblemático local onde nos encontrávamos de coração cheio, felizes por termos assistido a esta extraordinária demonstração de como, muitas vezes, a pura paixão constitui o ingrediente mais importante de um concerto.
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segunda-feira, 06 agosto 2018