Reportagem Chet Faker no Coliseu dos Recreios
Concerto arrebatador de Chet Faker na primeira de duas noites esgotadas no Coliseu de Lisboa, comprovando que o electro-soul também enche arenas. Umas vezes sozinho em palco e outras cirurgicamente apoiado por dois músicos - mas permanentemente acompanhado por uma legião maioritariamente adolescente - o músico australiano desembrulhou praticamente todo o seu ainda curto catálogo e até recriou Van Morrisson, ao longo de quase hora e meia de emoções fortes.
“Infinity Faker” - a legenda de uma selfie que o artista publicou no seu Twitter poucas horas depois do concerto na passada sexta-feira não podia ser mais apropriada para descrever a verdadeira overdose de Chet Faker que Lisboa viverá neste início de julho. Depois de um DJ set no Lux e de duas noites esgotadas no Coliseu, o multi-instrumentista permanecerá na capital para atuar no festival NOS Alive’15, preparando-se assim para repetir a presença na edição do ano passado. Mas com uma (grande) diferença: desta vez terá honras de palco principal, apesar de ainda só ter editado um álbum («Built on Glass», 2014) e um EP («Thinking in Textures», 2012).
A rapidez desse upgrade é bem reveladora do fenómeno de culto em que o projeto de Nicolas Murphy se transformou desde que nasceu de forma inesperada na internet há escassos quatros anos. Com os bilhetes para a primeira noite no Coliseu esgotados há três meses e meio e extensas filas antes da abertura de portas, arriscamos dizer que o ambiente estava de tal forma ao rubro que dispensaria qualquer tentativa de aquecimento. Ainda assim, a primeira parte do concerto foi assegurada pelo set eletrónico de Manuel Bogalheiro, músico português que aproveitou a oportunidade para dar vida ao seu alter-ego Mr. Herbert Quain. Pouco depois, enquanto no palco se ultimavam os preparativos para servir o prato principal, chegaria uma espécie de prenúncio de que algo maravilhoso estava para vir, quando na instalação sonora se ouviu “Someone Great”, dos LCD Soundsystem de um outro Mr. Murphy...
Eram já quase 22:00 quando, atrás do microfone e das maquinarias eletrónicas colocadas a meio do palco, Chet Faker apresentou-se sozinho no seu habitual estilo hipster: imponente barba ruiva, calças pretas, ténis e t-shirt branca e um leve blusão cinzento com apenas o botão do colarinho apertado. Ainda sob a penumbra, abriu a noite com dois temas instrumentais. Primeiro ofereceu «Cigarettes and Chocolate», feito de samples e sons hipnóticos, criados na ponta dos dedos que iam serpenteando com destreza pelos botões da sua mesa de mistura e depois reverberados por uma mão cheia de pedais. De seguida, já acompanhado por um guitarrista e um baterista, prosseguiu com um sublime tema introdutório que nos pareceu inspirado em «A Sort of Homecoming» de Paul Keeley, tocado sempre em crescendo até culminar numa verdadeira explosão.
A voz singular de Faker fez-se ouvir pela primeira vez em «Melt», derretendo de imediato os corações excitados da falange feminina, de onde sobressaiu o sugestivo cartaz “Chet me Faker”. É notório que a cool-slow groove deste australiano é feita de letras intimistas em torno de sentimentos. Depois de «Release your Problems» voltaria a piscar o olho ao romance ao atirar um “this song is for all the lovers in the house tonight” antes de se lançar a «Love and Feeling», que recebeu uma das maiores ovações da noite.
Num curto espaço de tempo, o artista que já confessou não querer ser visto como músico de covers entregou uma dose dupla de versões. Em «Moondance» prestou homenagem a Van Morrisson, um dos artistas a quem foi buscar as influências jazzy. A canção surgiu completamente transfigurada, num ritmo bastante mais lento e apropriado à noite quente de verão que fez sentir. E quando, de novo sozinho em palco, avisou que nos ia levar ao passado percebemos logo que vinha aí «No Diggity», sem sombra de dúvida o “perfect ten” da sua ainda curta carreira. E talvez por ter consciência disso mesmo, desceu do palco para pedir que a multidão desse descanso às câmaras fotográficas. O pedido até teve direito a tradução de uma fã que estava na primeira fila e, assim, o tributo ao R&B dos Blackstreet acabou por ser vivido de forma mais intensa, com uma plateia conhecedora a cantar a plenos pulmões com os braços em riste durante os irresistíveis “Hey yo, hey yo, hey yo, hey yo". Entre essas duas versões houve ainda um sentimental «To Me», ao ritmo de muitas palmas.
Na reta final entregou-nos «Drop the Game», «I’m Into You» e «Blush», esta última pontuada pela sua voz em falsete num ambiente trippy. Novamente acompanhado pelos dois músicos, fez as primeiras despedidas com o festivo «1998», deslizando pelo palco num movimento de pés que fizeram lembrar Michael Jackson, enquanto atrás de si a parede de luzes brilhava mais do que nunca ao ritmo da batida dançante.
O barulho estridente que seguiu à saída de palco fez com que os três músicos não demorassem a regressar, com Faker a trazer uma toalha aos ombros. Abriram o encore com «Cigarettes and Loneliness», um perfeito exemplo do valor acrescentado que a guitarra e a bateria trazem ao som de Chet Faker. Seguiu-se «Dead Body», no único momento em que vimos o próprio Faker empunhando uma guitarra, para um solo ao melhor estilo Blues.
Evidentemente, o ouro ficou guardado para o final. Depois de uma «Gold» cantada em uníssono, pediu um forte aplauso para os músicos que o acompanharam e, já sozinho em palco, avisou que tinha uma última canção para oferecer. Sentado em frente do órgão que estava situado na plataforma superior do palco, sob um foco de luz tocou uma versão despida de «Talk is Cheap» que durou seis minutos e em que a parte vocal chegou a estar exclusivamente a cargo de uma plateia vibrante e notoriamente rendida. Com novo encontro agendado para a noite seguinte, apostamos que o costumeiro “Obrigado, see you guys next time!” nunca terá soado tão bem…
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Organização:Everything is New
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terça-feira, 07 julho 2015