Reportagem Colour Haze no Porto
Jesus The Snake
Os Colour Haze voltaram a fazê-lo no Hard Club: na segunda visita a Portugal, os alemães deram um concerto perto do perfeito, surpreendendo o público com uma qualidade nem sempre atingida no rock. Num género cheio de novos praticantes e seguidores em Portugal, ficou claro que certas instituições são como o vinho do Porto: só melhoram com a idade.
Mas como entrada, não uma mas duas propostas musicais. Primeiro, Jesus The Snake, que invocando as aventuras progressivas e psicadélicas de uns Pink Floyd mas levando-as à boleia pelo deserto da Califórnia, souberam conquistar aos poucos o público que foi aparecendo cedo na sala principal do Hard Club. Com humildade e timidez de banda nova, é assinalável o grau de maturação que já começa a ser notório no quarteto de Vizela. Uma excelente arrancada numa noite que se prometia memorável.
Contudo, um pequeno acidente de percurso. Os TAU, banda que se assume como praticante de transcendental psychedelia, foi uma pastilha bastante difícil de engolir. As canções partilhavam todas uma estrutura particularmente monótona, cuja roupagem e estética hippie chic esteve longe de encantar. Talvez tenha sido um dia menos bom, ou talvez fosse necessário o consumo de estupefacientes ilegais, a verdade é que o concerto pareceu a mais. Muito a mais.
Porém, talvez tenha beneficiado indirectamente os Colour Haze, que se apresentaram de forma irrepreensível na sala portuense. Pouco passava da meia noite quando a veterana banda, formada em 1994, subiu a palco para cerca de duas horas de atuação. Sob um pano de projecções coloridas e psicadélicas, que variaram na sua forma e estilo, o trio alemão espalhou classe sonora em cada nota: a voz e perícia na guitarra de Stefan Koglek estiveram brilhantes, o baixista Philipp Rasthofer segurou o som sempre pelas pontas e Manfred Merwald é possivelmente o melhor baterista de stoner/psicadélico em actividade, onde por vezes a observação do movimento dos seus braços quase não combinam com o som que os nossos ouvidos apanham.
O concerto arrancou com a magnífica “She Said” de 2012, do álbum homónimo, onde os vários estilos da banda se concentram num só tema, em particular as variações rítmicas e deambulações por diferentes atmosferas. Após “Aquamaria” de 2006, tema que dá início a Temple, viriam dois temas siameses, Skydancer/Skydance, arrancando uma das grandes ovações da noite. Segui-se “Überall”, uma grotesca viagem de locomotiva sonora com destino a “Labyrinthe”, canção carregada de tensão e uma ânsia para a sua libertação caótica.
Já perto da recta final do concerto, “Transformation” e “Tempel” deram o ar de sua graça, sendo que a segunda foi das músicas mais aplaudidas pelo público, e não é para menos, já que carrega aquele sentimento de surpresa que conseguimos encontrar numa jam entre grandes músicos, mas com a classe e perfeccionismo de uma banda que sabe bem o que faz e quer.
O relógio já apontava 1h59, e por isso os Colour Haze convidaram-nos para uma viagem ao seu passado, oferecendo “House of Rushammon” do já longínquo ano de 1998, e finalmente “Love”, com Stefan a dedicar ao estado actual das nossas sociedades, onde a compaixão e o amor pelo próximo parece ter desaparecido.
Um privilégio assistir a tamanha demonstração de talento, numa banda que, livre de ter algo provar, consegue-nos transportar para universos longínquos. Voltem rápido!
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sexta-feira, 25 maio 2018