Reportagem Dave Matthews Band em Lisboa
Amor e devoção num regresso muito aguardado da Dave Matthews Band a Portugal, após seis anos de ausência. A banda norte-americana iniciou a digressão europeia com uma maratona musical de três horas e meia, servida em duas partes, numa MEO Arena repleta de milhares de fãs que foram bem mais do que meros espectadores.
O culto em torno da Dave Matthews Band (DMB) em Portugal é bem revelador do carácter universal da música. A banda formada na Virgínia, no início dos 90, tem sido desde então um caso sério de popularidade no seu país, onde é líder de bilheteira com extensas digressões pelo território americano durante todos os verões. Contudo, é bastante mais raro ver a DMB atuar fora de portas (o concerto de domingo passado marcou o início da primeira tour europeia desde 2010) e a sua discografia nem sequer se encontra editada em território nacional, estando apenas disponível mediante encomenda. Isso não os impede de contar com uma extensa legião de fãs em Portugal, que segue a banda há muito tempo e que aproveitou para assinalar aquela que foi apenas a sua terceira passagem por Lisboa em quase 25 anos de carreira (a primeira foi em 2007, precisamente na mesma sala, e a segunda no festival Optimus Alive, em 2009), com uma festa no Hard Rock Café na noite de véspera.
No final de um domingo chuvoso, a MEO Arena não esgotou mas esteve perto disso: mais de 15 mil, de acordo com a organização do evento. Não houve ecrãs gigantes nas laterais, apenas um único que foi colocado atrás do palco, onde imagens de cores vivas e paisagens naturais foram sendo alternadas com filmagens em tempo real da atuação de uma banda. E por falar nela, vale a pena nomear os sete magníficos: Dave Matthews (voz e guitarra clássica), Carter Beaufort (bateria e percussão), Boyd Tinsley (violino), Stefan Lessard (baixo), Tim Reynolds (guitarra elétrica), Jeff Coffin (saxofone e clarinete) e Rashawn Ross (trompete). Tocaram com mestria mais de vinte de canções ao longo de três horas e meia (não fossem eles uma das bandas com mais horas de palco), num concerto dividido em duas partes, separadas por um intervalo. Uma opção que não nos pareceu acertada… mas já lá vamos.
O vasto repertório da banda - oito álbuns de estúdio e inúmeros registos ao vivo - permite que nunca repitam o mesmo alinhamento. Abriram com os ritmos latinos de “Warehouse”, do primeiro álbum de estúdio Under the Table and Dreaming (1994), ao qual foram buscar sete temas. Outros sete foram resgatados dos discos Before these Crowded Streets e Crash, editados na segunda metade da década de 90, em plena época de ouro dos DMB. Mas também houve tempo para recordar a estreia a solo do vocalista sul-africano em 2003 (“Stay or Leave”, extraída do álbum Some Devil) e para desvendar dois temas do novo trabalho da banda, ainda sem data de lançamento.
O concerto a que assistimos provou que os DMB são uma máquina bem oleada, talhada para tocar ao vivo. Ali, os instrumentos revezam-se em solos e improvisos ao sabor do talento e dos devaneios de cada um dos elementos da banda. E as canções são intermináveis histórias de amor. “Crush”, um dos momentos da noite, foi disso exemplo: começou de forma disfarçada com uma linha de baixo distinta daquela que dá início à música e a torna imediatamente reconhecível, prosseguiu com um despique entre o violino e a guitarra, depois entregou o protagonismo ao saxofone e, volvidos doze minutos, terminou ao som da potente bateria de Carter Beaufort (que se apresentou com as suas habituais luvas brancas mas sem a camisola do Benfica que chegou a envergar há alguns anos em alguns concertos em solo americano).
Houve momentos igualmente arrebatadores: o fantástico solo de violino mesmo à frente do palco em “Dancing Nancies”, o clarinete no final de “Seek Up” com óbvias influências de Sting, o tom funk do instrumental “Anyone Seen the Bridge?” com uma secção de sopros a fazer lembrar “Skin Trade” dos Duran Duran, a verdadeira explosão vivida em “Don’t Drink the Water”, a incrível guitarrada de Tim Reynolds em “#41” e a energética sequência final (antes do encore) composta por “What Would You Say”/“Jimi Thing”/“Pantala Naga Pampa”/”Rapunzel”, com direito a uma breve incursão por “Sexy MF” de Prince.
No meio de tantos altos, cabe referir que houve também alguns baixos. Desde logo, não nos pareceu razoável a opção por um intervalo que durou meia hora. Num ambiente húmido e abafado, os que assistiram em pé a todo o concerto foram literalmente submetidos a uma dura prova de resistência física, que começou às 20:15 e só terminou depois da meia-noite. Mesmo entre os que estiveram confortavelmente na zona dos balcões, houve quem tivesse saído mais cedo. A escolha até se entende no caso da recente digressão americana, que se traduziu em dois sets verdadeiramente distintos, um acústico e outro elétrico. Mas em Lisboa os DMB estiveram praticamente sempre ligados à corrente. A exceção foi o trio de slows (“Death on the High Seas” e “Little Red Bird”, com Dave sozinho em palco, e depois “Bartender”, acompanhado por Reynolds) que marcou o início da segunda parte e que também não contribuiu para retomar a dinâmica perdida após uma espera demasiado longa.
É justo reconhecer que a maioria dos presentes remeteu o cansaço para segundo plano e, à passagem da meia-noite, ainda arranjou forças para exigir um (merecido) encore. Durante alguns minutos, ouviu-se um energético bater de pés, ao mesmo tempo que as lanternas dos telemóveis permaneceram ligadas até a banda regressar já sob um imenso céu estrelado, para terminar a longa marcha em beleza com o clássico “Ants Marching”.
À terceira passagem por Lisboa, a extrema devoção do público português já não é novidade para os DMB mas ainda o será para os menos avisados. Ao meu lado, um grupo de estrangeiros revelou-se incrédulo com a quantidade de palmas que se fizeram ouvir durante as músicas (especialmente durante “If Only”), com as letras trazidas na ponta da língua e com os eufóricos cânticos dedicados a Carter Beaufort. O carismático baterista foi protagonista de um momento insólito quando, no final da primeira parte do concerto e já depois de praticamente toda a banda ter abandonado o palco, a plateia continuou a trautear os acordes finais de “Grey Street”. Essa insistência fez com que Carter tivesse continuado a tocar sozinho para acompanhar o enorme coro de vozes, tendo depois oferecido várias baquetas em sinal de reconhecimento.
Numa recente entrevista, Dave Matthews considerou que o público português é diferente porque “ouve com o corpo”. Após esta noite de verdadeira consagração de músicos de alto nível, arriscamos dizer que também ouve com a voz…
-
terça-feira, 13 outubro 2015