Reportagem Dead Combo na Casa da Música
Palco montado, em contornos de uma tasca bem tradicional; bar, burburinho das pessoas na esplanada a fazer de conta, mas não muito. Serve-se bebidas e comida. Dois músicos entram, ao som de aplausos, preparando-se como que para tocar na rua por uma dúzia de tostões. Podia ser uma história qualquer, mas não é. É a dos Dead Combo, e é bem real. Quem os conhece, sabe do percurso deste duo Lisboeta. De café em café, da rua, de casa de amigos e finalmente para os palcos grandes. Bem merecido. Tranquilos e humildes, preparam os instrumentos e deslocam-se ao bar, para um copo ou dois.
Lentamente, então, já jogando com a expectativa do público que enche a sala, os músicos sentam-se. Ouvimos os primeiros acordes, o aconchego chega depressa e deixamo-nos levar pelo som. Sem grandes apresentações necessárias, a música do Tó Trips e do Pedro Gonçalves fala por si mesma. Algo de novo no entanto bem enraizado no mais antigo, explora toda a vasta vertente do rock e do blues, encontrando, porém, raízes de música portuguesa, na guitarra nomeadamente. Sem, no entanto, decair num estereótipo ou noutro. Único é a palavra certa.
Fazendo-se acompanhar pelas Cordas da Má Fama (Denys Stetsenko, Carlos Tony Gomes e Bruno Silva), que criam toda uma nova dinâmica com os violinos e violoncelo para os Dead Combo, elevando o dramatismo e dando maior interação entre músicos, um bem-estar e grande à vontade. Brincam entre si, qual é a próxima que vão tocar. Enquanto o Pedro troca de baixo para a melódica. “Waits” começa, não se pode deixar de reparar na facilidade do grupo se estender a vários estilos, e fazendo-o de uma maneira tão livre, sem pressão.
Definitivamente um concerto diferente para aqueles que já se acostumaram ao som típico da distorção e sujidade. Guitarradas acústicas e um ensemble de cordas. Uma secção rítmica; bater o pé. Interpretam temas tão conhecidos e intrínsecos aos fãs como “Esse olhar que era só teu” ou “Mr Eastwood”. Não deixando de lado a crítica, ou melhor, a sua visão de um país plantado a beira do mar, seguem-se duas músicas com paralelismos interessantes; “Putos a roubar maças” e “Povo que cais descalço”. Um com título cómico, outro que não rasga muitos sorrisos na plateia. Ambos retratam temas semelhantes. Sem pretensões, nem artimanhas é nos servido no prato, um concerto bem cheio de essência do passado e presente, diário de pessoas que neste universo encarnam personagens tanto reais como fictícias.
Pintando paisagens, de um deserto chuvoso mas que conforta e nos leva numa viagem entre tempos áureos da capital sempre tão melancólica. Contando histórias pessoais, bem como aquelas que todos conhecemos. Pouco faladores, mas muito honestos os Dead Combo elevam sem dúvida, as almas presentes. Com um concerto a bater de perto as duas horas de duração. Merecem com toda a certeza o reconhecimento e a simpatia. Já na recta final, encore com a tão esperada e uma das favoritas do grupo, “Lisboa Mulata”. Frenética e executada na perfeição, deixa o público rendido e de pé. Mas não antes de tocar uma “nova”. “Fado a pilhas”. Em contraste, muito sublime na guitarra do Tó, quase que acalmando os ânimos para um final grandioso. Nada melhor do que a música para curar os dias cinzentos e lavar o rosto depois de uma semana complicada.
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sexta-feira, 22 novembro 2024