Reportagem Deixem o Pimba em Paz - Coliseu de Lisboa
O Coliseu dos Recreios encheu-se de público na passada noite de 18 de setembro para receber um dos espetáculos que mais tem dado que falar nos últimos tempos. Deixem o Pimba em Paz nasceu de uma epifania de Bruno Nogueira, um dos melhores humoristas de Portugal, e assenta na exploração da música pimba para lá do que todos conhecem.
Foi este o mote que levou a que um Coliseu praticamente esgotado assistisse a um espetáculo de sensivelmente duas horas de duração que passou por 20 temas de música portuguesa, mais brejeira e popular.
Acompanhado em palco por Filipe Melo, Nuno Rafael, Nelson Carvalho e por Manuela Azevedo, vocalista dos Clã, Bruno Nogueira desde logo mostrou querer brincar com o público, mas também elucidá-lo, ao questionar os presentes sobre o que se iria passar ali nas próximas horas.
“Pusémo-nos giros (dentro do género) e fomos até ao Coliseu sem saber bem o que nos esperava. Seria um musical a gozar com a música pimba? Seria um leitmotiv? Ou seria restituir o encanto e o discernimento que a música pimba nunca teve?” As palavras do humorista certamente que passaram pela mente de muitas daquelas almas, mas logo se desvaneceram aos primeiros acordes de “24 Rosas”, de José Malhoa. Contudo, um pouco antes, decidiu dedicar toda a conceção do espetáculo a um irmão… que não existia.
No fundo, o objetivo era provar que vários talentos portugueses, munidos de um piano, um contrabaixo, elementos de percussão e vários instrumentos eletrónicos, conseguiam transformar a música pimba ao dar-lhe uma nova roupagem e que, consequentemente, tornasse aceitável o gosto pela própria.
Quem teve a oportunidade de ver Deixem o Pimba em Paz antes do início da nova temporada, não encontrou nesta noite diferenças abismais em relação às anteriores. Contudo, nota-se que todos os elementos em palco (e olhem que Bruno Nogueira merece boa nota como percussionista) estão mais coesos e libertos, garantindo uma notória fluidez de espetáculo.
Depois de um “Azar na Praia”, de Nel Monteiro, de “Sozinha”, original de Ágata cantado dramaticamente por Manuela Azevedo, e de “Na Minha Cama Com Ela”, de Mónica Sintra, era altura do primeiro convidado da noite. Ele era Camané que, embora não estivesse fisicamente presente no espetáculo (“Ele está em Paris de França a trabalhar, mas conseguimos arranjar um satélite para fazer uma chamava ao vivo”), entoou com brilho o tema “Telegrama”, um original de César Morgado.
Já “Vem devagar Emigrante”, de Graciano Saga, foi um dos temas mais aplaudidos da noite, ou não tivesse soado como um tema de hip hop/rap. Pouco depois, o segundo convidado da noite, mas desta vez fisicamente presente em cena: o grande Marante.
Com toda a sua humildade (“Nunca imaginei cantar nesta sala”), Marante não só deu voz ao seu “Som de Cristal”, como colocou o público da mítica sala lisboeta a entoar o hit “A Bela Portuguesa”.
Ainda houve espaço para mais convidados. Nuno Markl, que com a ajuda do smartphone, foi mostrar o seu talento para cantar músicas de trás para a frente e assim anunciar “Sensual” de Toy, tema em que fez um striptease; e António Zambujo, que, embora Bruno Nogueira tinha dito que “inicialmente só estava previsto cantar um tema”, não só brilhou em “O Melhor Dia para Casar”, do sempre muito requisitado Quim Barreiros, como se juntou ao humorista na interpretação de “Mãe Querida”.
Não se pense que, embora a autoria do espetáculo seja de Bruno Nogueira, isso levou a que o próprio conhecesse todos os temas da música pimba escolhidos para o repertório do espetáculo. Um desses é precisamente “Porque Não Tem Talo O Grelo”, de Leonel Nunes, numa cantiga que acaba por ser uma “grande dissertação sobre agricultura”. Talvez um dos melhores momentos da noite que, por momentos, nos pôs a pensar se não estaríamos a escutar um álbum de música infantil, dado o peculiar arranjo desta versão.
Já depois de apresentar os seus companheiros de palco (“Eu quando pensei no projeto só fazia sentido trabalhar com os melhores. Não foi possível, mas estes também não são maus”), e de considerar Manuela Azevedo como a melhor cantora do país, Bruno Nogueira munia-se do microfone para apresentar, quiçá, o tema mais conhecido deste espetáculo: o “single” “Taras e Manias”, original de Marco Paulo.
Regressados do encore, a “banda” finalizava o concerto com um medley de várias cantigas de Quim Barreiros e que culminava numa bela gritaria de Manuela Azevedo em “Os Bichos da Fazenda”.“Assim sim, até parece outra coisa”, dizia alguém ao nosso lado com notório tom de satisfação na voz.
No final, três pontos a destacar: primeiro, é possível reinventar a música portuguesa (que é mais complexa que o que parece) e pôr toda a gente a gostar dela; segundo, o tema “A garagem da vizinha” foi a canção que deu origem a todo o projeto; terceiro, “diz-se refrães ou refrãos, nunca refrões. Chupa!”.
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sábado, 20 dezembro 2014