Reportagem Eels
“Ma won’t shave you, Jesus can’t save you…”
Naquele que poderá ter sido o último domingo esplendoroso de Verão em 2010, o Coliseu de Lisboa abriu portas para receber Mark Everett (“Mr. E”, a vogal em pessoa) e a sua mais recente encarnação dos Eels. Muitos turistas a tasquinhar pelas ruas da Baixa, mas os verdadeiros devotos da banda não chegariam a encher meia casa.
Os que resistiram às tentações do dérbi foram brindados à chegada ao concerto com um número de ventriloquismo, a fazer lembrar os tempos em que o velho Coliseu recebia festas de Natal de empresas, e os filhos dos funcionários saltavam nas cadeiras, borrifando-se para os trapezistas e ansiosos por receber as prendas.
Ainda assim, o senhor da Árvore das Patacas (terá de me desculpar, mas não cheguei a saber o nome), ofereceu uma alternativa arejada às bandas que, por vezes, vemos encaixadas a martelo em grandes concertos, a bem da “prata da casa”. Mas passemos ao que interessa.
As metamorfoses de Everett não serão novidade para quem segue a banda desde os anos 90, em que o líder surgia como mais um clone de Liam Gallagher, até à fase de “Souljacker”, das guitarras saturadas de distorção e das barbas druidescas.
Desde 2009, Everett parece ter descido repetidamente ao Inferno e regressado para contar a sua história. Sempre autobiográfico, com ponto de partida na trilogia de álbuns “Hombre Lobo”, “End Times” e “Tomorrow Morning”, acompanha-nos no desfilar e evolução destes vários estados de alma, desde o desejo visceral ao divórcio, até à reconciliação e ao optimismo.
“Grace Kelly Blues” e “3 Speed”, duas relíquias saídas do baú, abrem o concerto. E., sozinho à guitarra, deixa-se envolver pela banda que vai subindo sorrateiramente ao palco, um membro de cada vez, após cada canção.
“End Times” e “Prizefighter” são os primeiros sinais deste novo período prolífero da carreira dos Eels, alternados por versões ora dos Rolling Stones (“She Said Yeah”), ou até mesmo dos Lovin' Spoonful, com “Summer in the City”.
A ausência de teclados torna-se flagrante quando este autêntico “guitarsenal” de Everett ataca temas como “Fresh Blood”, “Dog Faced Boy” e “Souljacker Pt. 1”. Quem ansiava pelos sintetizadores açucarados dos tempos de “Daisies of the Galaxy”, estava certamente no concerto errado. Pausa para respirar, com o clássico instantâneo “That Look You Give That Guy” e “Mr. E's Beautiful Blues”, para aqueles que não conhecem bem a banda mas até viram o American Pie.
Ainda outra cover (desta vez, “Summertime”), uma versão frenética de “I Like Birds” e tempo para dois encores extraídos do novo “Tomorrow Morning”, para que segunda-feira amanheça mais risonha.
Mr. E agradece aos portugueses. “We should do this again, sometime”. Enguias todos os dias até enjoa, mas nós não nos importamosFotos: Ana Limas