Reportagem Elza Soares no Porto
Elza Soares, veterana da música brasileira, esteve na semana passada em Portugal para três concertos, o primeiro no Porto, na Sala Suggia da Casa da Música. O interesse em torno das suas apresentações em território português era elevado, pois a apreciação pela cantora vai muito além da música, passando igualmente por um sentimento de respeito pelos obstáculos que ultrapassou ao longo de uma vida que, durante muito tempo, não lhe deu motivos para sorrir. Forçada pelo pai a casar quando tinha somente doze anos, tornou-se mãe aos treze e perdeu, em circunstâncias trágicas, quatro dos sete filhos que deu à luz, não esquecendo ainda a conturbada e polémica relação que manteve com o futebolista Garrincha.
A artista sul-americana sobreviveu a todos estes contratempos, mas as feridas nunca sararam, tendo a cantora aprendido a viver com os traumas e a servir-se da música para desabafar e libertar os demónios que a atormentam. È esse registo sincero e inegavelmente emotivo que faz do mais recente disco, intitulado “A Mulher do Fim do Mundo”, um trabalho tão especial, pois Elza é uma lutadora incansável, alguém que nunca deixou de procurar a luz ao fundo do túnel quando se encontrava envolta em escuridão.
Na Casa da Música, perante uma plateia que a recebeu de braços abertos, apresentou-se sentada num trono, bem no centro do palco, exibindo um cabelo roxo e uma expressão tão serena quanto melancólica. Na verdade, esse visual pode ser interpretado de diferentes formas, num misto de alegria e tristeza. Por um lado, temos Elza colocada num pedestal, como uma verdadeira rainha; por outro, sabemos que são os problemas de saúde que a impedem de adoptar uma pose mais dinâmica, o que não deixa de ser normal tendo em conta que a senhora já está perto de comemorar oito décadas de existência no mundo ao qual chamou “Planeta Fome”.
No entanto, há também um lado poético no meio disto tudo: Elza já passou por muito, mas ainda está aqui, sempre pronta para nos encantar com a sua voz quente e rouca, bem como com o seu carisma. Nós só temos de agradecer o facto de ainda a podermos ver, sobretudo acompanhada por uma excelente banda liderada por Guilherme Kastrup.
“Coração do Mar/Mulher do Fim do Mundo” foi a música escolhida para iniciar a actuação, tendo Elza emocionado desde logo a audiência ao interpretar apaixonadamente a letra onde pede que lhe deixem cantar até ao fim, e que isso é tudo o que quer fazer. Esse desejo de contar o que lhe vai na alma e as experiências dolorosas que enfrentou foi novamente escutado em canções como “Maria da Vila Matilde” – verdadeiro manifesto contra a violência doméstica – “Pra Fuder” ou “Luz Vermelha”.
Contudo, apesar do registo negro destas letras, o espectáculo de Elza foi extremamente divertido e cheio de ritmo – ritmo proveniente, no novo disco, de um samba que explora o noise rock, o hip-hop, ou até o punk, pois a nível musical não há barreiras.
Destaca-se também a surpreendente participação, em “Benedita”, do cantor e bailarino Rubi, que permaneceu posteriormente com a cabeça pousada no colo de Elza enquanto esta lhe cantava “Malandro”.
Ainda assim, talvez o mais impressionante tenha sido a maneira como certas pessoas se levantaram das cadeiras da Sala Suggia para dançarem livremente. Ficou aqui provado que a música de Elza tem igualmente um efeito catártico naqueles que a escutam, proporcionando momentos de autêntica euforia.
No final, todos teciam elogios rasgados; Elza chegou e conquistou o coração dos presentes, restando deixa-la cantar até ao fim.
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Organização:Ao Sul do Mundo
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segunda-feira, 25 novembro 2024