Reportagem Filho da Mãe no Porto 2014
Numa fria noite de sábado, Rui Carvalho aqueceu o Passos Manuel com o seu alter-ego – Filho da Mãe. O objectivo era muito simples: dar a conhecer o novo trabalho intitulado “Cabeça”.
A julgar pela quantidade de pessoas que aderiram ao evento, estamos perante um caso de popularidade no actual panorama musical. Tal não é de admirar, no entanto, pois o passado do guitarrista (num currículo que inclui passagens pelos If Lucy Fell, I Had Plans, entre outros) faz com que o mesmo seja uma figura bastante conhecida no underground nacional. Contudo, apesar de lançar excelentes discos, Rui Carvalho brilha ainda mais ao vivo do que em estúdio, pelo menos com este projecto. Quando sobe ao palco, não só toca guitarra como dá voz à mesma, transformando-se num autêntico contador de histórias. A própria sala contribuiu imenso para a qualidade da actuação, pois a mística do auditório tornou a viagem proporcionada pelo músico lisboeta ainda mais envolvente. Além disso, num país onde conversar durante os concertos é cada vez mais comum (para não dizer irritante), a opção por um local mais intimista e com lugares sentados impediu que houvesse barulho de fundo. Todavia, independentemente do espaço escolhido, era óbvio que todos estavam ali porque queriam e porque respeitam o “Filho da Mãe” (desculpem, não resisti), pelo que já se esperava uma recepção calorosa. Ainda assim, foi gratificante observar o clima de meditação que rapidamente se instalou dentro da sala.
Logo no início, ao som de “Terra Feita”, a plateia entrou em transe, num silêncio somente quebrado por aplausos. Pode parecer estranho que Rui Carvalho, por si só, consiga captar a atenção de todos sem grande esforço, mas o seu trabalho é extremamente cativante e dotado de grande beleza artística. Aqui, para além de uma habilidade técnica verdadeiramente impressionante (sobretudo para quem não teve formação musical), há muita emoção envolvida: Rui Carvalho dá muito de si, dedica-se de corpo e alma àquilo que faz e isso nota-se – nas suas expressões faciais ou no suor que lhe escorre da testa. È também habilidoso, utilizando com mestria as possibilidades da pedaleira para complementar os sons que produz com as seis cordas da guitarra. Por outras palavras, pega numa doce melodia e modifica-a, criando uma cacofonia monstruosa (“Improviso de Naperon” foi um exemplo disso). Nesses momentos mais experimentais, o trabalho de pés – autênticos maestros a comandar uma orquestra de distorção – é tão intenso quanto o de mãos, provando a capacidade do guitarrista em preencher o palco, mesmo sozinho. Numa prestação claramente inspirada, “Helena Aquática” foi um dos principais destaques, enquanto que “ Sem Demónios” fechou com chave de ouro este regresso triunfante.
A iniciar a noite tivemos a estreia de Gonçalo, membro dos Long Way To Alaska. Apresentando-se como filho da sua mãe (um trocadilho inteligente, verdade seja dita), o guitarrista aproveitou a ocasião para promover o EP “Quim”. Loop a loop, foi construindo um agradável conjunto de melodias leves e primaveris. A apresentação foi curta, mas deixou vontade de ouvir mais no futuro, se possível numa fase onde as composições já estejam mais amadurecidas.
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sábado, 20 dezembro 2014