Reportagem Gal Costa no Porto
Gal Costa, uma das mais emblemáticas vozes da música brasileira, pisou na passada quarta-feira o palco da Casa da Música para um concerto coeso e intimista onde apresentou temas novos retirados do mais recente A Pele do Futuro e desenterrou recordações de um passado que já lá vai mas que, a julgar pela sala cheia que a recebeu de braços abertos, continua a ter relevância nos dias de hoje.
Olhando atentamente para a plateia que preencheu os lugares da Sala Suggia, concluíamos estar perante um público maioritariamente mais velho, ainda que alguns jovens também tenham marcado presença, mas a verdade é que a noite tinha um sabor nostálgico, de reencontro com uma figura incontornável no universo musical brasileiro das últimas cinco décadas. Hoje com 73 anos, Gal Costa está claramente mais cansada, mas não só consegue manter a chama da sua voz, como ainda tem algo para dizer, como percebemos ao analisar a mensagem do último disco. Gravado nestes tempos de extrema instabilidade política e social – onde naturalmente não podemos deixar de destacar o Brasil que a viu nascer, agora sob o regime conservador de Jair Bolsonaro - Gal contraria – sem deixar completamente de ignorar, tal tarefa revelar-se-ia utópica - esta atmosfera de decadência moral com uma mensagem de esperança, uma luz com que tenta combater as camadas de escuridão que cobrem a sociedade contemporânea.
Se a arte frequentemente convida a um confronto com o mundo que nos rodeia, aqui a cantora brasileira fornece ao ouvinte um efémero escape psicológico de forma a curar as feridas da alma. Tal exercício, sejamos francos, é também necessário, pois mergulhar na fantasia acaba por tornar mais suportável lidar posteriormente com a realidade. A Pele do Futuro é, acima de tudo, como a própria artista define, um disco de amor nas suas mais variadas formas, e foi de amor que a sala se revestiu nesta noite fria de Janeiro: um amor correspondido – Gal ama o público português, o público português ama Gal - que origina uma paixão que teima em não se extinguir. Apoiada por uma banda extremamente competente que dá cor às canções que tão entusiasmadamente canta, Gal entregou-se de corpo e alma a este seu espectáculo que vive de um repertório tão actual quanto antigo - e às vezes de um legado que nem é seu, como se verificou com as covers de Roberto Carlos, Fábio Júnior ou Caetano Veloso, este último através da excelente interpretação de “london London” – e onde novidades como “Minha Mãe” (aqui sem a participação de Maria Bethânia mas intercalada com “Oração de Mãe Menininha”, mais um dueto com a consagrada artista), “ Palavras no Corpo”, “ Viagem Passageira” (composta por Gilberto Gil especialmente para a voz de Gal) ou “Sublime” misturaram-se com composições como “Azul” ou a efusiva “ Bloco do Prazer”; foi aqui, no final da actuação, que uma boa parte da audiência decidiu libertar-se das cadeiras para movimentar o corpo – mal nenhum, pois quem dança seus males espanta.
Dito isto, coloca-se agora a questão: foi este um serão perfeito? Não, a idade da senhora já se nota e bem (e não dizemos isto de forma pejorativa, apenas com o máximo de objectividade possível), mas não deixamos de assistir a uma prestação sólida, genuína e deveras interessante, até pela maneira descontraída como Gal comunica com o público - brinca, elogia o país e a sala onde se encontra, conta histórias da sua vida que conferem um carácter deliciosamente informal e brutalmente honesto ao seu discurso – no fundo, é como se estivéssemos todos em casa dela, a conversar enquanto a mesma faz questão de ser uma anfitriã exemplar. Com ela, o mundo é um lugar um pouco melhor.Porto
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terça-feira, 29 janeiro 2019