Reportagem Greg Dulli - Lisboa
Greg Dulli mantém-se ocupado. Liderou os Afghan Twins nos anos 90, faz actualmente parte dos The Twilight Singers e dos The Gutter Twins, e tem ainda um álbum a solo e dois ao vivo (sendo o segundo o registo da primeira noite desta digressão). Há quem o chame de “o último sobrevivente do grunge”, mas hoje em dia quem o ouve e vê não identifica ali muito desse género. Com uma carreira tão diversificada, a grande surpresa não reside no facto de embarcar este ano numa digressão a solo que o levará pelos Estados Unidos e pela Europa; a surpresa reside mais no facto de só agora o decidir fazer.
Foi um público modesto mas devoto o que o recebeu no Santiago Alquimista, onde tocou acompanhado por Dave Rosser, guitarrista dos Twilight Singers, e por Rick Nelson, multi-instrumentalista (que aqui se ficou pelo violino e pelo violoncelo) dos Polyphonic Spree. Num alinhamento com mais de vinte canções, percorreu praticamente toda a sua carreira (curiosamente, o seu único álbum a solo ficou de fora), passando por clássicos daquelas três bandas que certamente lhe deram o grupo de fãs que o veio ver no belo concerto que deu na nossa capital.
Entrando em palco vinte minutos após a hora marcada, começou logo com St.Gregory, bela canção dos Twilight Singers, que imediatamente deu o mote para a noite: intimismo e minimalismo. Claro que os pés nunca pararam de bater e o corpo nunca parou de balançar, dadas as melodias tão envolventes que saem das guitarras acústicas de Dulli e Rosser e, em particular, das que saem do sempre belo violoncelo de Nelson (que por vezes pegava também num violino, com efeitos igualmente louváveis) mas foi uma noite calma e íntima a que se viveu no Santiago Alquimista, com luz baixa (tão baixa que nem foi possível tirar fotos decentes…) e timbre profundo.
“Desçam, não vos consigo ver”, disse Dulli pouco depois de ter entrado em palco, dirigindo-se aos que observavam o concerto do segundo andar. Até ao fim da noite, não seriam poucos os que acabariam por ceder ao pedido, ficando a zona perto do palco gradualmente mais povoada. Começou, portanto, com St. Gregory, dos Twilight Singers, e continou mudando de banda, tocando God’s Childern, dos Gutter Twins, onde se assentuou ainda mais o timbre forte e negro do cantor. Foi um vai-vem constante entre as várias bandas que fizeram (fazem) parte da carreira de Dulli, não faltando sequer clássicos como 66 (o primeiro grande momento da noite, com o público a gritar de entusiasmo ao primeiro segundo da música) ou Summer’s Kiss, dos extintos Afghan Whigs.
Foi, curiosamente, um concerto coeso e de qualidade constante. Curioso não pela qualidade da carreira de Dulli (só fez parte de boas bandas, disso não há dúvida), mas antes pela forma como cada canção pareceu fazer parte de um mesmo repertório. Isso deve-se, claro, também aos novos arranjos, mas mesmo assim o tom e até as letras de cada canção, fossem de que banda fosse, pareciam fazer parte de um mesmo universo. A carreira de Dulli pode, afinal, ter passado por vários anos e várias bandas, mas parece que o seu talento esteve sempre presente, e o seu estilo sempre se manteve (felizmente) igual fosse onde fosse. Não existiram momentos menores: foi um concerto bem pensado, com canções escolhidas cuidadosamente de uma diversa carreira, onde nem a luz fraca nem a tranquilidade musical que se viveu fez com que se ouvissem bocejos. Até mesmo as três músicas novas dos Twilight Singers, que lançarão um álbum novo no próximo ano, soaram lindamente. “Vamos tocar três músicas novas do novo álbum… vamos tocá-las de forma separada ao longo do concerto, não vos quero cansar”, diz Dulli (que, felizmente, ao longo da noite se preocupou mais em tocar muito e bem que em interagir com o público) antes de tocar a primeira, perto do início do concerto. Dada a qualidade das canções, no final fica-se até com vontade de ouvir mais, tendo até sido a terceira canção nova a que teve a honra de encerrar o corpo principal do set.
Numa bela noite, Greg Dulli provou o seu já inegável valor perante uma plateia que compensava em devoção o que lhe faltava em número. É pena ver o Santiago Alquimista tão longe de encher; talvez quando cá voltar com um dos seus projectos, as coisas corram de forma diferente (diz-se que a casa esteve mais composta quando ele cá veio com os Twilight Singers, há uns anitos). Não faltaram êxitos de todas as suas bandas (mais de vinte canções), todos eles aplaudidos por um público que sabia bem para o que ia, e ver Dulli ao piano no encore de quatro músicas a tocar as geniais Candy Crane Crawl e Down the Line (únicas canções em que o teclado, sempre presente em palco, foi usado), respectivamente dos Twilight Singers e dos Gutter Twins, valeu por si só a noite, tal como o sorriso visível na face tanto de Dulli como do público atesta. E quando o concerto termina com Twilite Kid, canção genial dos Twilight Singers, torna-se complicado apontar falhas.Concerto de pura qualidade, coeso e consistente, com alguns momento realmente espectaculares, onde Dulli mostrou bem o seu talento e a excelente carreira que tem e que, esperamos nós, ainda terá muito a dar; seja de que forma ou em que banda for.
Porque, afinal de contas, a conclusão óbvia da noite é a de que Dulli, faça o que fizer, há-de fazê-lo sempre muitíssimo bem.