Reportagem Hauschka na Casa da Música
Depois da passagem pelo Teatro Maria Matos, em Lisboa, na companhia da violoncelista islandesa Hildur Guđnadóttir, Hauschka – o alter-ego de Volker Bertelmann – regressou novamente ao nosso país, desta vez a solo.
Pouco passava das 21:00 quando o compositor alemão deu início a uma belíssima actuação e nos levou a passear pelo seu mundo artístico, onde o piano torna-se numa fonte inesgotável de exploração sonora. De certa forma, Hauschka pode ser comparado a uma criança inocente e livre que explora o mundo à sua volta; para além de um pianista exímio, é igualmente um compositor que gosta de reinventar o seu instrumento de forma divertida, utilizando, nesta noite, objectos como bolas de pingue-pongue, fita-cola, vibradores, pandeiretas ou mesmo uma mesa de mistura, entre muitos outros, para preencher a necessidade de alancar novos sons. Contudo, este registo é apenas uma das facetas de uma complexa identidade musical, não se podendo ignorar as melodias delicadas, doces e ocasionalmente melancólicas que complementam os elementos experimentais da sua arte.
Esse tom emotivo está, aliás, presente no conceito do mais recente disco “Abandoned City”, que versa sobre cidades abandonadas e a dicotomia sentimental que, como o compositor nos explicou, esse cenário desolador evoca – a melancolia que sentimos ao ver um presente tão negro e a esperança que cultivamos ao acreditar num possível futuro próspero para estes locais, ainda que a ideia se baseie mais numa metáfora (Hauschka sente-se como uma cidade abandonada, quando compõe) do que propriamente numa interpretação literal. Seja como for, o papel de contador de histórias que o músico desempenhou nesta ocasião não só ajudou a compreender melhor a mensagem da sua obra, como criou um ambiente verdadeiramente intimista e acolhedor.
Embora nos encontrássemos confortavelmente sentados nas cadeiras da Sala 2 da Casa da Música, a atmosfera remetia para um local totalmente diferente, como se estivéssemos numa casa rústica, junto à lareira, a escutar atentamente as histórias ou recordações que iam sendo contadas e que formavam uma interessante sequência de imagens na nossa cabeça. Num concerto onde foram interpretadas duas peças, “Craco”, a segunda da noite, que busca inspiração à famosa cidade fantasma de Itália, encerrou com chave de ouro uma noite perfeita. Eventualmente, um dos maiores mestres do piano preparado foi progressivamente removendo todos os objectos colocados no instrumento, fazendo com que este regressasse ao seu som puro e tradicional. No final, despediu-se, deixando logo saudades.
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quinta-feira, 21 novembro 2024