Reportagem Iceage no Porto
Os dinamarqueses Iceage têm construído, ao longo desta década, um dos mais fascinantes percursos no que à evolução artística diz respeito. Após surpreenderem o mundo da música com o hardcore incendiário da estreia New Brigade, em 2011, foram gradualmente adicionando novos ingredientes à sua receita, culminando na dinâmica sonoridade que se escuta no mais recente Beyondless, onde a garra punk, não deixando de estar presente, divide protagonismo com uma pop sedutora e sofisticada, assim como com apontamentos de jazz e blues. Verdadeiros camaleões, encaram a arte que produzem como um ininterrupto exercício de renovação estilística, navegando pelo punk com o mesmo ambicioso espírito de exploração sonora de alguém como – perdoem-nos a ousadia - David Bowie.
Foi precisamente devido a essa mentalidade de constante mudança que este concerto acabou por ser bastante diferente do último que por cá tinham dado, no festival Paredes de Coura. De certa forma, a actuação reflectiu aquilo que são hoje em dia: uma banda menos selvagem e mais madura, que não rejeita a intensidade e a atitude rebelde que a tornou famosa mas que promove igualmente um clima de maior introspecção, quase como se quisesse entrar na idade adulta sem abandonar completamente a doce inocência da juventude. Esse cruzamento de emoções manifestou-se na postura do vocalista e frontman Elias Rønnenfelt, ao mesmo tempo solto e distante, como um poeta que deseja também ser uma estrela rock e que caminha pelos dois universos numa tentativa de reunir o melhor de ambos.
No que toca ao alinhamento, a novidade Beyondless esteve em destaque, com o grupo a interpretar grande parte dos temas que a compõem. Uma escolha que, de resto, faz sentido para uma banda que olha sempre para o futuro, encarando o passado como uma viagem para chegar ao presente e nunca como um local de estadia permanente. Arrancando com “Hurrah”, também o tema de abertura do supracitado álbum, ouvimos ainda outras composições novas como “Under the Sun”, “The Day the Music Dies”, “Thieves Like Us”, “Catch It” ou “Pain Killer”, que resultou bem ao vivo mesmo não contando com a memorável contribuição vocal de Sky Ferreira.
Pelo meio, e mesmo com as atenções centradas no aqui e agora, ainda houve tempo de revisitar material antigo como “The Lord's Favorite”, “Morals” ou mesmo a velhinha “White Rune”, do disco de estreia. Lamenta-se somente a ausência de um encore, mas fomos brindados, ainda assim, com uma actuação deveras competente, que talvez não tenha agradado totalmente aos apreciadores da era mais selvagem e ruidosa do grupo (pelo menos, não tanto quanto as passagens anteriores), mas que certamente terá deixado satisfeitos aqueles que entendem e apreciam o modo como o colectivo se reinventa a cada álbum editado. Nesta noite, os Iceage exibiram os traços da sua actual personalidade; resta esperar para ver em que ponto estarão quando nos voltarmos a encontrar.
Na primeira parte, os Terebentina proporcionaram uma endiabrada mas majestosa sessão de free jazz e noise, encantando o público presente com uma bela, poderosa e pujante actuação que só pecou pela curta duração. Todavia, mesmo com pouco tempo, deu para perceber que estamos perante um dos mais promissores projectos no actual panorama nacional.
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Organização:At the Rollercoaster
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quarta-feira, 31 outubro 2018