Reportagem Imogen Heap - Lisboa
Pop em modo experimentalmente belo.
O concerto que Imogen Heap deu numa Aula Magna composta (tendo em conta que não foram vendidos bilhetes para o anfiteatro superior, que estava vedado) foi, tal como a sua música, profundamente bonito e nalguns momentos profundamente alegre, noutros profundamente envolvente. O que Imogen Heap faz é, afinal de contas, pop. Pode não ter sintetizadores a “torto e a direito” (como hoje é moda), pode não ser uma cantora espalhafatosa a nível visual, pode nem ter letras que falem de sexo, fama e outros temas tratados com superficialidade que hoje em dia parecem estar na ponta da língua das artistas do género. Mas Imogen Heap faz, sem dúvida, música pop. Apenas a faz de forma diferente.
O palco e a própria postura da cantora, aliás, acabam por reflectir isso mesmo. Num palco enfeitado com uma tela gigante ao fundo, algumas árvores falsas e com uma verdadeira panóplia de instrumentos e alguns brinquedos (até um array mibra, instrumento raramente usado hoje em dia e um keytar, teclado usado à volta do corpo como se faz com uma guitarra, lá estavam!) em palco, a cantora entra com um belo vestido e vários colares ao pescoço, com um microfone em formato headset (daqueles que a Lady Gaga, Britney Spears e etc usam) e à medida que canta e toca olha frequentemente o público nos olhos, por vezes até dançando alegremente pelo palco enquanto o faz. Interage frequentemente com a audiência de forma informal e directa, transpirando simpatia, contando histórias e situações relacionadas com as canções. Numa ocasião, engana-se ao início da música e recomeça; noutra, tem alguns problemas com o computador (vários teclados e samplers em palco…) e demora um pouco mais a iniciar a canção, estando durante o processo sempre a falar com o público, queixando-se da máquina. É Pop, sim; mas em formato mais íntimo e experimental. E da mais bela que o género tem para oferecer.
A noite começou bem, com uma primeira parte feita por Ben Christophers e Gesse, cada um com uma introdução feita pela própria Imogen Heap antes da sua entrada em palco, onde explica que gosta de trazer consigo em digressão músicos que admira não só para fazerem a primeira parte dos seus concertos mas também para tocarem consigo na sua banda. Ben Christophers tem já cinco álbuns lançados e é um nome já com algum prestígio dentro do meio; foi, portanto, um pequeno grande bónus o de o podermos ver como músico suporte. Foi um set curto e rápido, mas onde deu para ver bem o talento do "cantautor", que com os seus samples e a sua guitarra deu alguns minutos de boa música.
Os Gesse, por outro lado, são um projecto mais único e jovem. Banda de dois violinistas, apoiados aqui pelo baterista da banda de Heap (da qual, tal como Christophers, também fazem parte), que criam músicas abstractas e belas através da máxima exploração do seu instrumento. Foram alguns minutos de um som envolvente e único; por vezes caótico, por vezes calmo e belo. Deu, sem dúvida, vontade de ouvir mais.
Depois de um curto intervalo, quando pouco passava das dez da noite, entra Imogen Heap em palco, com a sua banda a entrar pouco depois. Rapidamente se viu como seria a estrutura do concerto: a multi-instrumentalista troca constantemente de instrumentos, nunca pára (percebe-se o porquê de usar aquele tipo de microfone) e faz da melhor forma de tudo o que tem no palco, gesticulando em direcção ao público enquanto canta e toca, numa interacção directa. Foi assim na primeira canção da noite, The Walk proporcionou um arranque energético e foi assim ao longo de toda a noite. Sempre em constante movimento, construindo canções ora mais calmas ora mais energéticas através de verdadeiras camadas de som, Imogen Heap demonstrou um enorme talento na forma como dominava tudo aquilo que tinha em palco. Num alinhamento de quase vinte músicas, nunca deixou de agradar. E aquela voz… aquela voz…
Num espectáculo todo ele bem pensado e executado (até nos pulsos ela tem microfones!), Heap percorreu os seus três álbuns, dando destaque a Ellipse, o seu mais recente trabalho. Não tardou muito até chegar Come Here Boy, canção do seu primeiro disco (de 1998) e o alinhamento foi um "vai-vem" constante entre o presente e o passado, mostrando bem o quão coeso é todo o universo da cantora. Não existiram propriamente momentos menores, apenas momentos mais e menos únicos. Canções como The Walk e Tidal (que mostram bem o quão pop pode ser a artista), são mais formulaicas e genéricas; não no sentido negativo, claro. Apenas não têm uma sonoridade tão distinta como, por exemplo, Hide and Seek ou Canvas. Foi, apesar de tudo, um concerto consistente, sem bocejos ou grandes mudanças de qualidade.
Heap ia falando constantemente, explicando a origem ou determinado aspecto de cada canção, criando um ambiente informal e familiar. Canvas, por exemplo, tem um sample da lareira de sua casa, feito uma vez quando toda a sua família lá estava reunida. “Penso sempre nessa noite, quanto toco esta canção”, explica ela, antes da árvore central do palco se incendiar através de projecção vídeo, num efeito belo e hipnotizante que ainda mais ajudou a envolver o espectador. Já antes, com a calma Little Bird, se tinham visto pássaros a voar pelas árvores, pela tela e por todo o palco. Projecções vídeo bem usadas e pensadas, que assentam em cada canção. E o mesmo se pode dizer do bom espectáculo luminoso, que se ia revelando mais dinâmico ou não de acordo com cada canção. Quem esperava um concerto mais minimalista e simples da cantora, certamente terá ficado surpreendido; o palco de Imogen Heap foi do mais complexo e impressionante que se tem visto na Aula Magna.
Esta interacção com público proporcionou um dos mais belos momentos da noite (que, diga-se, ficará na memória de quem lá esteve por bastante tempo) em Just For Now, canção tocada logo depois de Let Go, cover dos Frou Frou. Em disco, a cantora usa na música um sample da sua voz em diferentes tons para ir construindo a canção; ao vivo, essa tarefa fica para o público. Foi memorável vê-la a ensaiar com o público, dividindo-o em três sectores (cada um para um diferente tom) e ver depois esse efeito sonoro em acção. Um coro de centenas a entoar na perfeição aquele “Just for nooow” foi talvez o mais belo momento da noite, com todo o público de pé e empenhado naquilo que fazia. Se ao início a cantora admitia ter medo de que a ideia não fosse resultar bem, no final o agradecimento que deu com um sorriso na face não surpreendia ninguém. Momento lindíssimo.
Num alinhamento que contemplou todos os álbuns da cantora, foi uma surpresa quando esta interpretou Hear Me Out, a segunda cover dos Frou Frou da noite, que esta admitia nunca antes ter tocado ao vivo. “Antes de cada concerto costumo fazer no site uma sondagem para ver que músicas é que o público mais quer ouvir. E às vezes há surpresas; esta foi uma delas”, explica a cantora, antes de admitir ter feito os arranjos para a canção do nada, meia-hora antes das portas abrirem. Se assim foi, então o talento de Heap fica mais uma vez provado; Hear Me Out foi interpretada na perfeição absoluta, envolvente e etérea do início ao fim, como já em disco era. A maior surpresa da noite acabou por ser também um dos seus momentos mais belos.
Todo o concerto decorreu na perfeição, num ambiente de informalidade perante a simpatia e interacção dinâmica da cantora, que deu um concerto nada abaixo de louvável; por vezes envolvente, por vezes energético, sempre de pura qualidade musical. Para o fim ficaram alguns dos melhores momentos; Tidal, a última canção tocada com banda (de cinco membros, que vão mudando de formação, entrando e saindo ao longo do concerto), pode ser das suas músicas mais genéricas, mas do melhor possível nessa categoria e foi espectacular ver Heap no final da interpretação em palco com o keytar, com óculos escuros a fazer lembrar os de um Kanye West. Sem encore (“Mesmo que eu me despedisse, vocês sabiam bem que eu depois voltava. Era como se estivesse a enganar o público”,explica), terminou com as lindíssimas e poderosas The Moment I Said It e Hide and Seek. Esta última canção em particular foi verdadeiramente envolvente e lindíssima, com a keytar da cantora a tornar a sua voz ainda mais etérea e surreal; um dos mais memoráveis momentos do concerto foi também um daqueles que o terminou. A artista acabou o espectáculo com canções obrigatórias, que encerraram com chave de ouro um concerto do mais único possível dentro de um género que cada vez mais se banaliza.
Num concerto verdadeiramente belo, Heap mostrou não só o quão pop (energética, alegre, estonteante), pode ser a sua música, mas também o quão magnífica, envolvente e sonoramente experimental pode ser também a Pop. Multi-instrumentalista de gema, e com uma voz verdadeiramentr ara, Imogen Heap veio à aula magna dar uma lição de boa música e domínio instrumental. Foram mais de duas horas (houve muita conversa…) de um concerto que certamente não terá desiludido quem já há anos admira a cantora.