Reportagem Joan Baez em Lisboa
Joan Baez, a senhora do folk interventivo, uma referência intemporal da música do século XX despede-se dos palcos com a longa digressão mundial “The Well Tour”. Acabada de fazer 78 anos, a sua energia em nada reflecte a sua idade e apesar de uma ou outra limitação que o avançar dos anos trouxe à sua voz, Joan Baez proporcionou um concerto emotivo, bem interpretado e íntimo. Aliás, eu que vi Joan Baez em 2010 também no Coliseu, confesso que gostei mais deste concerto; toda a atmosfera, as músicas, a interacção com o público tocaram-me mais agora do que em 2010. Talvez eu esteja a ficar mais madura e o meu nível de degustação dos vários temas, bandas sonoras de gerações inteiras, tenha melhorado.
O Coliseu estava com casa cheia, os bilhetes estavam esgotados desde Outubro 2018. Há sempre um burburinho bom que antecede as visitas de Joan Baez. A artista catapulta emoções, uma peregrinação de pessoas para ver o concerto, muitos estrangeiros, pessoas de vários pontos do país, com várias faixas etárias, rumaram ao Coliseu munidas de sorriso nos lábios.
Recebida no palco com ovação, Joan Baez acompanhada da sua guitarra, vestida de forma casual; jeans, t-shirt, casaco e botas, semelhante a uma qualquer jovem descontraída dos dias de hoje, toca e canta. “Don’t Think Twice”, seguida de “There But For Fortune” e “Farewell Angelina” foram os primeiros temas todos recebidos com agrado do público. Sozinha com a sua voz, interpretando aquelas letras poderosas acompanhada da sua guitarra, não foi preciso mais nada para um início perfeito. Posteriormente juntaram-se os outros músicos em palco. Acompanham Joan Baez nesta digressão o seu filho Gabriel Harris na bateria e percussões, Dirk Powell nos intrumentos de cordas: banjo, violino, baixo, bandolim, guitarra e Grace Stumberg que canta com Joan algumas canções.
Temas de Bob Dylan, temas de sua autoria passando por temas escritos por Khris Khristofferson, Woody Guthrie, Simon and Garfunkel e Tom Waits, Joan Baez empresta a sua voz e interpretação a todos e, sem qualquer pitada de narcisismo, elogia os outros autores. Elogia Bob Dylan dizendo que canta os seus temas porque “ ele é o melhor”. Num tempo em que grassa o cinismo e a hipocrisia é refrescante ver a sua genuinidade e generosidade. Os temas são acompanhados de pequenas introduções que se traduzem numa interacção com o público. Estes pequenos prefácios que acompanham as músicas, enquadram as letras de carácter profundo, interventivo, sério, sendo que, também as envolvem em doçura.
Joan Baez apresentou algumas canções do seu último álbum, como sejam, “Whistle Down the Wind”, que também dá nome ao álbum e “Silver Blade” que aborda uma história de violência contra uma mulher que no desfecho vira a lâmina contra o seu agressor. No fim diz não querer promover a violência mas relembra às mulheres que não têm que se sujeitar a situações dessas. Muito actual nesta fase em que na sociedade portuguesa se aborda de forma mais enfática as questões da violência de gênero, nomeadamente contra as mulheres e a permissividade e atenuantes que a sociedade e a estrutura cultural lhe conferem.
Lugar ainda para o tema “Deportee” inspirado no acidente aéreo de 1948 onde imigrantes mexicanos foram vítimas. 60 anos de canções de carácter interventivo e todas permanecem tão actuais, o muro de Tump, a questão dos refugiados, a violência de gênero, entre outras, não nos permitem esquecer nem perder o direito à indignação como dizia Zeca Afonso. E recordando Zeca Afonso, Joan Baez interpretou, como faz sempre que actua em Portugal, o tema “Grandola Vila Morena”. O mesmo foi acompanhado pelo público. Joan Baez pediu a colaboração do público nos agudos uma vez que a sua voz não tem mais o alcance de outros tempos.
E foram precisos dois encores para terminar o concerto, o público assim o exigiu. “Imagine” de John Lennon, “Forever Young” de Bob Dylan e “The Boxer” de Simon and Garfunkel fecharam a nossa viagem pela carreira de Joan Baez. De referir que a ceder aos desejos do público o concerto continuava em mais encores com mais canções.
Um excelente concerto, um ícone da música, uma artista que se mantém activa, actual e presente.
No seu adeus aos palcos, não podemos deixar de sentir já as saudades dos seus concertos.
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sexta-feira, 08 fevereiro 2019