Reportagem Joan as Police Woman em Lisboa
Num emocionado regresso a Lisboa, Joan As Police Woman veio acompanhada de Benjamin Lazar Davis para apresentar o álbum “Let It Be You”, primeiro fruto de um projeto conjunto em que exploram caminhos de uma electropop experimental. O novo trabalho foi tocado quase na íntegra mas não faltaram êxitos antigos e até alguns temas inéditos, num espetáculo que merecia maior audiência e que terminou “em família”, ao lado dos conterrâneos Star Rover.
Estávamos já na reta final do concerto quando Joan Wasser, mais conhecida por Joan As Police Woman, confessou com a voz embargada que este regresso a Portugal era especial pelo facto de, em 2014, ter sido obrigada a cancelar as datas previstas devido ao inesperado falecimento do seu pai adotivo. Sozinha em palco, perante uma plateia silenciosa e atenta ao lento dedilhar da sua guitarra, Joan cantou de forma sentida “We Don’t Own It” em memória do seu falecido pai, naquele que foi o momento mais emocionante da noite.
Não faltam motivos para que o sentimento de perda esteja tão presente nas suas canções. Dada para adoção durante a infância, a cantora norte-americana já tinha lidado com o falecimento de Jeff Buckley (seu namorado na altura do seu afogamento em 1997) e com a morte da sua mãe adotiva (abordada no álbum “To Survive”, de 2008, que ficou fora do alinhamento desta noite).
Há quem diga que Joan já viveu várias vidas. Uma delas começou certamente após a trágica morte de Buckley, altura em que decidiu começar a escrever e cantar, deixando de se cingir ao violino. Formou e liderou os Black Beetle em 1997, integrou os Antony and the Johnsons em 1999 e foi colecionando um invejável rol de colaborações com artistas de renome, como Lou Reed, Nick Cave, Dave Gahan, Lloyd Cole, Rufus Wainwright e até Rodrigo Leão. “Everybody Here Wants You”, canção de amor que Buckley escreveu para ela, não podia ter sido mais profética…
O ano de 2003 marcou o início de outra vida. Saindo da sombra, vestiu-se de mulher-polícia e nessa pele soube sempre reinventar-se em cada disco. A apresentação de “Let It Be You” - seu sexto álbum como Joan As Police Woman, mas o primeiro fruto do projeto com o também multi-instrumentista Benjamin Lazar Davis (membro dos Cuddle Magic e dos Okkervil River) serviu de pretexto para um concerto que merecia maior presença de público no bonito Teatro da Trindade.
Numa decisão arrojada, a dupla norte-americana praticamente só tocou material novo durante os primeiros três quartos de hora do concerto. Temas como “Satellite”, “Let It Be You”, “Broke Me In Two”, “Violent Dove” e “Overloaded” foram bem recebidos pelo público apesar de terem uma estrutura musical pouco convencional, com um denominador comum: os efeitos da guitarra de Ryan Dugre, decalcados do estilo musical da tribo Ba-Benzélé da República Centro-Africana, pelo qual tanto Joan como Benjamin se terão apaixonado em recentes viagens.
Joan Wasser revelou-se muito comunicativa, perdendo-se em elogios a Lisboa. A sua voz segura e sensual não denuncia o facto de apenas ter começado a cantar aos 27 anos. A norte-americana, nascida há 46 anos no Maine, interpretou a maioria dos temas com uma desarmante destreza, usando por diversas vezes um registo de falsete que deu alma a temas como “The Ride”, numa de quatro revisitações ao seu primeiro longa duração (“Real Life”, de 2006).
Na sua estreia em solo lisboeta, Benjamin Lazar Davis alternou entre o baixo e o sintetizador e o seu estranho balançar de cabeça arrancou as expressões faciais mais cómicas da noite. Benjamin assumiu também a voz principal em temas como a “Candy Guns” - um dos inéditos incluídos no alinhamento do concerto (o outro foi “No, It Ain’t Easy”) e que deverão sair na próxima fornada deste projeto colaborativo – e “Trojan Horse”, música nova dos seus Cuddle Magic, com uma sonoridade claramente influenciada pelos Vampire Weekend.
Fazendo jus à nova parceria entre ambos, Joan e Benjamin atuaram lado a lado no centro do palco, cada qual ao comando dos respetivos sintetizadores e de uma parafernália de pedais de efeitos. Curiosamente, ambos envergaram os fatos-macaco azuis usados na capa e nos vídeos do novo disco. Quantas artistas serão capazes de se vestir de mecânico sem perder o glamour?
Joan As Police Woman tocou num formato de quarteto, que incluiu também o guitarrista Ryan Dugre e o baterista Ian Chang. A versatilidade destes músicos ficou bem patente com as frequentes trocas de posição. Em “Save Me”, Ryan Dugre já havia trocado a guitarra por um shaker. Mais tarde, durante a sequência “Get Direct” / “Hurts So Bad” / “Feed The Light”, o guitarrista passou sucessivamente do sintetizador para o baixo e para a bateria, esta última por troca com Chang, que tocou piano eletrónico na hipnótica “Feed The Light”. Louve-se também os novos arranjos musicais usados em “Holy City” e “The Magic”, a última das quais marcou a primeira despedida do palco, à boleia de uma contagiante magia soul que arrancou muitos aplausos aos espetadores presentes.
Para o encore ficou guardado “Station”, tema de sete minutos que encerra o novo álbum. A canção começou de forma sóbria, com Joan a cantar solta pelo palco, apenas com o apoio da guitarra de Dugre. Só mais tarde os restantes músicos entrariam em cena, primeiro Benjamin e depois Ian Chang. De forma surpreendente, o baterista regressou acompanhado pelos amigos Star Rover, duo conterrâneo de Brooklyn que na primeira parte do concerto tinha aquecido o público com temas contruídos a partir da guitarra e da percussão. O concerto terminava assim num clímax emocionante, ao som de dois sintetizadores, dois guitarristas e dois bateristas, naquilo que Joan Wasser designou como “uma espécie de incesto familiar”.
Visivelmente feliz pela oportunidade de ter tocado com os seus amigos nova-iorquinos, a nossa mulher-polícia agradeceu a meio mundo, desceu do palco e saiu da sala pelo corredor central, diretamente para a zona de merchandising, onde distribuiu autógrafos e tirou as fotografias da praxe com uma invulgar humildade e simpatia. Não seria bom se todos os “polícias” fossem assim?
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Organização:Uguru
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sexta-feira, 22 novembro 2024