Reportagem Kylesa no Santiago Alquimista
Noite tripla de concertos no Santiago Alquimista: a sala de espetáculos lisboeta recebeu os norte-americanos Kylesa na passada sexta-feira, acompanhados pelos Circle Takes the Square e KEN mode, ambos estreantes em Portugal. Em tour europeia e um dia depois de terem atuado no Hard Club portuense, as três bandas uniram-se para proporcionar uma noite de inegável qualidade, aos poucos (mas bons) que subiram à Rua de Santiago, a 19 de janeiro de 2012.
Não há lugar para principiantes aqui. Apesar de lhes ter calhado a tarefa de abrir a noite e de apenas tocarem cerca de 40 minutos, os KEN mode (abreviatura da citação “kill everyone now mode”, repescado ao lendário Henry Rollins) não hesitaram em mostrar todo o peso do seu material a quem os quisesse ouvir. Foi, de facto, uma boa exibição dos três membros da banda canadiana, que já conta com mais de dez anos de carreira, trazendo a Lisboa Venerable, do ano passado. Sludge metal aliado a noise rock, é uma fórmula que não desagrada às escassas filas de ouvintes da sala lisboeta, mas que também não agita por aí além: é compreensível, com o calibres dos nomes que se avizinhavam.
E que grande nome se seguiu. A estreia muito esperada dos Circle Takes the Square trouxe ao Santiago Alquimista uma espécie de fãs de culto que nada poderão apontar contra a prestação dos norte-americanos. A banda liderada por Drew Speziale e Kathy Coppola, ambos vocalistas e um na guitarra, outra no baixo, certamente não deixa ninguém indiferente e estes mostraram-se uma ótima mudança em relação ao sludge frenético e denso da banda anterior. Proclamam-se como criadores de ‘punk rock apocaliptico’, mas são na verdade uma banda screamo com twist: tanto na oposição da voz feminina à masculina (em jeito de chamamento e resposta), como na variedade de influências que transformam e fazem do estilo a sua própria criação, tal como o progressivo e o post rock.
É também de reparar na enorme excelência técnica que acompanha os temas complexos (e por vezes até bizarros), destreza essa que se traduz perfeitamente ao vivo. Se o baterista Caleb Collins é extremamente técnico sem se esforçar demasiado, tanto Coppola e Speziale manuseiam os seus intrumentos de forma perfeita, dedilhado as progressões e as sequências de tempo frenéticas na maior das facilidades. E se o duro executam sem falha, são as partes mais calmas e experimentais que elevam os Circle Takes the Square a banda seguir sem hesitação. Com um novo esforço lançado no ano anterior (Decompositions, Vol. 1), os norte-americanos estão de volta aos concertos, no entanto, As the Roots Undo continuou a estrela do alinhamento. "Same Shade as Concrete", "Crowquill" e "Non Objective Portrait of Karma" foram alguns dos pontos de interesse de um concerto que durou cerca de uma hora.
Se o balanço desta noite de concertos já era positivo, só faltava mesmo a entrada da banda cabeça de cartaz para se tornar ainda melhor. Os Kylesa deram um concerto explosivo, embora muito marcado por algumas falhas de som, especialmente a nível das vozes, que às vezes mal passavam por sussurros.
O quinteto norte-americano formado em 2001 mostra que é um dos nomes de relevo da cena hard rock/sludge, mas torna a categorização algo difícil por se recusar a limitar a um só género. Se Static Tensions (2009) era um álbum mais pesado, mais duro, com maior pujança, no mais recente esforço da banda, Spiral Shadow (2010), é o rock psicadélico que dá ares de sua graça, intercalado com o sludge metal. "Tired Climb", tema que inicia Spiral Shadows, é tão brutal como contido, onde as vozes de Laura Pleasants e Phillip Cope se exibem e misturam na perfeição. "To Forget" e "Forsaken" são outros exemplos de como a flexibilidade musical dos norte-americanos se torna verdadeiramente uma vantagem – os temas compostos são tão complexos como catchy e capazes de capturar a atenção de diversos fãs de música.
É de notar que também são verdadeiramente bons a atuar ao vivo, tanto com os dois bateristas que podiam ganhar medalha de ouro no desporto de bateria sincronizada (sempre complementando-se e nunca em demasia), como na perícia técnica de Pleasants na guitarra a solo, injetando solos de hard rock sulista à energia criada pelos temas de Kylesa, que raramente baixa. Mais do que isso, sabem como fazer um espetáculo ao vivo, aproveitando as pausas para fazer pequenas jams em cada instrumento – e se o público estático parece apenas abanar as cabeças, foi crescendo impaciente e energético ao longo do concerto. Os temas de Spiral Shadows e Static Tensions são claramente o foco do alinhamento, mas não foram esquecidos "Bottom Line" e "Hollow Severer", de esforços anteriores.
A pausa para encore deu lugar a "Running Red" e, por fim, a ‘Where the Horizon Unfolds’, deixando os fãs a pedir mais, mas relativamente satisfeitos.
Foi, então, uma autêntica tour de force que abanou as paredes do Santiago Alquimista, e esperemos que voltem em breve.
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sábado, 20 dezembro 2014