Reportagem Lloyd Cole em Lisboa
Lloyd Cole voltou a Lisboa com um concerto acústico em registo “Best of 1983-1996”. Primeiro a solo e mais tarde acompanhado à guitarra pelo seu filho William, deixou rendido o público que encheu o Grande Auditório do CCB. Num saudado regresso ao passado que durou quase duas horas, o britânico revisitou trinta clássicos, contou histórias e até homenageou Prince.
Aos 55 anos, Lloyd Cole é a prova viva de que há vida depois da fama. O “Euromilhões” saiu-lhe logo ao primeiro disco (“Rattlesnakes”, 1984) e a fortuna acompanhou-o durante os seis anos de existência dos Commotions. Poucos acreditariam que uma banda formada na Universidade de Glasgow conseguiria ascender ao topo da cena musical através de uma pop literata, com referências a Norman Mailer e Simone de Beauvoir... mas os Lloyd Cole and the Commotions estavam no sítio certo e no momento certo. Depois vieram os anos 90 e o início de uma carreira a solo, que até começou bem mas que paulatinamente o foi atirando para a obscuridade. Perdeu tempo de antena nas rádios e televisões, perdeu contratos discográficos; perdeu popularidade e dinheiro. Mudou-se para os Estados Unidos, casou-se, teve dois filhos, mas continuou a gravar, por vezes com recurso a crowdfunding. Quem entretanto não o tenha perdido de vista sabe que a qualidade das suas canções nunca se desvaneceu. Cole amadureceu, refinou a escrita e trocou o registo rock’n’roll pelas melodias folk, mais condizentes com a melancolia que sempre o caracterizou.
O britânico já confessou publicamente que ele e Portugal estão enamorados desde que nos visitou pela primeira vez, em 1985. Esse facto é comprovado pelas inúmeras vezes que atuou em salas de cinema e de teatro de um país onde, segundo ele próprio, ainda é reconhecido na rua. Ontem, porém, Cole não escondeu o seu regozijo por atuar no imponente Grande Auditório do CCB, repleto de nostálgicos devotos.
À semelhança das últimas atuações em solo luso, o concerto voltou a ser acústico, mas desta vez em registo “Best of 1983-1996”, cobrindo o período em que Lloyd Cole era a voz dos Commotions e em que lançou os seus primeiros trabalhos a solo. Ao longo de quase duas horas, Cole tirou do baú três dezenas de clássicos repartidos em duas partes. Na primeira parte do concerto, apresentou-se a solo com a sua guitarra, abrindo com “Patience”, tema do disco de estreia “Rattlesnakes” que foi praticamente tocado na íntegra. A retrospetiva privilegiou também os álbuns “Easy Pieces” (1985), “Mainstream” (1987) e “Lloyd Cole” (seu primeiro trabalho a solo, editado em 1990).
Apesar de não ter adotado uma atitude de storyteller que a denominada “Classic Songbook Tour” poderia sugerir, o músico inglês mostrou-se conversador e conseguiu criar bons momentos de humor durante as pausas para afinação da guitarra. Como, por exemplo, quando após “Perfect Blue”, confessou que nas suas primeiras visitas a Portugal conseguiu sobreviver com apenas duas palavras: Super e Bock. Ou quando, antes de interpretar “Downtown”, se autoproclamou como definidor de tendências por ter frequentado o Cais do Sodré muito antes de este ter-se tornado uma zona “in”. Mais tarde arrancaria sorrisos ao imitar os trejeitos de Ronaldo e ao dar os parabéns à Seleção portuguesa por ter sido “a menos horrível no Campeonato da Europa”.
Foi um Lloyd Cole divertido e seguro de si próprio que se apresentou em Lisboa, apesar de alguns momentos de autodepreciação algo exagerada. Num palco despojado e escassamente iluminado, sem interferências para além da voz e guitarra, a força das suas canções sobressaiu. Com uma qualidade vocal que permanece incólume (mesmo nas notas mais altas), Cole teve sempre na palma da mão um público que revelou ser tão caloroso quanto irritante, tal foi a quantidade de fotografias disparadas com flash e que por diversas vezes abriram indesejáveis clarões na plateia.
A surpresa da noite chegou cedo, quando em forma de homenagem interpretou uma comovente versão de “Sometimes it Snows in April”, um original de Prince. A canção encaixou tão bem no alinhamento que nos deixou a pensar que Tracy poderia perfeitamente ser mais uma das personagens do imaginário de Lloyd Cole, à semelhança da Jane de “Brand New Friend” ou da Jennifer de “Jennifer She Said”, clássico que fechou a primeira parte do concerto com uma forte colaboração da plateia.
Durante o intervalo, a música de Prince ecoou na instalação sonora e enquadrou-se de tal forma neste regresso ao passado de Lloyd Cole que, ao ritmo de “1999”, chegamos a imaginar o génio de Minneapolis a cantar: so tonight I’m gonna party like it’s… 1983-1996.
Na segunda parte do concerto, Cole dividiu o protagonismo com o seu filho William, de 23 anos - precisamente a idade que tinha quando “Rattlesnakes” foi editado. Lado a lado no centro do palco, duas gerações em perfeita sintonia, num dueto de cordas dedilhadas com mestria que conferiu novas paisagens a mais uma quinzena de temas intemporais. Começando com a belíssima “Don’t Look Back”, cujo refrão soou mais do que nunca como um aviso paternal: life seems never ending when you’re young... Visivelmente orgulhoso, Lloyd Cole lamentou a espera até ter encontrado alguém parecido consigo quando era novo e que também toque guitarra. Mas a julgar pelo penteado arrojado, diríamos que o jovem William terá mais semelhanças com um tal de Robert Smith…
A noite foi também marcada por outros pormenores deliciosos: quando Lloyd Cole deu espaço ao improviso em “Perfect Skin” (she’s sexually enlightened by Cosmopolitan… but who isn’t?) e em “Undressed” (tell your mama we went to… Figueira da Foz); quando intercalou “Pretty Gone” com um excerto de “You’ve Got to Hide Your Love Away” dos Beatles e quando incluiu uns versos de “Sorrow” (de David Bowie) no meio de “Brand New Friend”, canção com que foram feitas as primeiras despedidas.
Já no encore foram tocados “Lost Weekend” e “Forest Fire”, dois dos clássicos mais reconhecidos. Para trás tinham ficado muitos outros, como “My Bag”, “So You’d Like to Save the World”, “Cut Me Down”, “Hey Rusty” e o inevitável “Are you ready to be Heartbroken?”. Ao todo foram trinta mas, do período revisitado, ficaram de fora temas como “From the Hip”, “There for Her” e “Morning has Broken”.
Depois de uma noite assim, facilmente se conclui que as boas canções não envelhecem. Por isso, Lloyd, estaremos sempre prontos para as ouvir… mesmo que elas nos deixem com o coração partido.
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Organização:Uguru
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sexta-feira, 22 novembro 2024