Reportagem M83 no Hard Club
De Messier 83 para um pequeno planeta chamado Hard Club
A primeira parte do cardápio de domingo esteve a cargo de Porcelain Raft, o projeto a um homem só do italiano Mauro Remiddi. A apresentar-se também, pela primeira vez, em Portugal, este ilustre desconhecido terá soado a novidade aos ouvidos da maioria, mas desengane-se porém quem pensasse tratar-se de um novato nas lides da música. Com um percurso já iniciado na composição para bandas sonoras, Remiddi rumou ao Reino Unido onde optou pela via da música mais “convencional” a bordo do quinteto Sunny Day Sets Fire, para depois atravessar o atlântico ao encontro de Nova Iorque e do alter-ego com que pisou o palco do Hard Club. Porcelain Raft manobrou o tempo de antena por entre Gone Blind, ep lançado o ano passado de onde foram retirados “Dragonfly”, “Talk to Me” e “Tip of Your Tongue” e Strange Weekend, álbum de estreia nascido este ano, de onde pudemos ouvir, por exemplo, “Drifting In and Out” e “Unless You Speak From Your Heart”. O pop derivativo a roçar ao sonhador, inscrito numa base low-fi de guitarra fundida com elementos eletrónicos, ironicamente, viu-se banda sonora das chegadas atrasadas e das conversas entre amigos, dos mais desinteressados.
De Messier 83, galáxia em espiral a aproximadamente 15 milhões de anos-luz de distância, para uma pequena sala de espetáculos no centro da cidade do Porto, chegou-nos uma estranha criatura, entre o ogre e o elefante, não para anunciar o fim do mundo - apesar do respeito imposto pelas gesticulações robóticas, em câmara lenta - , mas para marcar o tom fantástico e intergaláctico que fechou a noite de domingo, ao serviço dos M83.
Com a saída de palco do estranho ser, Anthony Gonzalez e restantes cúmplices entraram em cena, numa continuada alusão aos mundos distantes, através de “Intro”, faixa inaugural de Hurry Up, We're Dreaming (2011), com Gonzalez a assumir a liderança vocal da canção, na ausência de Zola Jesus, de quem ainda pudemos ouvir o ciciar digital em formato sampler.
Num cenário de estrelas recortadas e de luzes incandescentes de tonalidades néon, surgiu “Teen Angst”, de Before the Dawn Heal Us (2005), com a euforia de Morgan Kibby, a dançar contra o teclado, a contagiar o Hard Club, cheio como há muito não se via. A demanda estelar prosseguiu pelo shoegaze sintetizado de “Graveyard Girl”, rumo a 2008 e a Saturdays = Youth, para depois, com a ajuda do público, regressar-se ao aclamado último registo, pelas mãos do segundo single, “Reunion”. O trajeto fez-se com uma paragem por 2001, altura do lançamento do disco homónimo e, apesar de na altura ainda ser literalmente uma criança, coube a Jordan Lawlor, pródigo multi-instrumentista, assumir a percussão eletrónica em “Sitting”.
Das nuances post-rock a rematarem “Year One, One Ufo”, transgrediu-se para as melodias suavizadas de “We Own the Sky”, da homenagem a “Steve Mcqueen” e ainda da eletro-balada “Wait”, recebida com entusiasmo. O mood que se seguiu foi antitético, primeiro com a remistura de “Fall”, dos Daft Punk, segundo com “This Bright Flash”, tema alado com luzes fluorescentes em concordância e “Midnight City”, o principal cartão-de-visita do já referido mais recente álbum.
Após a falsa conclusão de “Guitar and a Heart” foi tempo para o encore. O canto etéreo e adocicado de Morgan em “Skin of the Night” deu lugar à electrizante “Couleurs”, com o incansável Lawlor empoleirado na bateria a incitar à adesão dos presentes, que entretanto transformara a Sala1 em pista de dança.
Ao delírio colectivo do outro lado do palco, Gonzalez agradeceu, com as mãos em forma de coração mas sem, no entanto, regressar para um segundo encore, apesar de o público, persistente, ter demorado a arredar pé da sala.
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sábado, 20 dezembro 2014