Reportagem Mark Lanegan Band em Lisboa
Mark Lanegan, sobrevivente non-mainstream do movimento grunge, teve casa cheia no regresso a Lisboa para apresentar «Phantom Radio», o seu mais recente trabalho lançado no final do ano passado. Concerto sem falhas, em ambiente íntimo e crepuscular, feito de uma voz única e de guitarras rasgadas e com um alinhamento pouco nostálgico, exclusivamente virado para os seus lançamentos neste novo milénio.
Foi grande o interesse suscitado pela terceira passagem de Lanegan pela capital (a primeira em 1998, quando os «The Gutter Twins» tocaram no Santiago Alquimista e a mais recente há três anos, precisamente no Armazém F, ex-TMN ao vivo). De tal forma que a sala já se encontrava muito bem composta quando, primeiro os acordes hispnóticos dos «The Faye Dunaways», e depois as distorções da guitarra de Duke Garwood, criavam o ambiente ideal para a chegada da banda de Lanegan. Pelo meio, uma atmosfera retro já tinha invadido o Armazém, quando vários êxitos dos «The Beatles» serviram de banda sonora durante os preparativos do palco.
“He doesn’t talk”, ouvimos o responsável pelo som e luzes da equipa de Lanegan dizer a um dos técnicos portugueses. E de facto não lhe ouviriamos mais do que alguns “Thank you very much” de circunstância, ao longo das vinte e três músicas que preencheram, quase sem pausas, a noite de sábado. Na verdade, bastou-nos aquela voz grave e profunda, tão rouca quanto segura, num cruzamento perfeito entre Tom Waits e Nick Cave. Foi precisamente essa voz cavernosa que assumiu desde cedo o merecido protagonismo, quando pouco depois das 21:30 Lanegan subiu ao palco, acompanhado apenas pelo fantástico guitarrista Jeff Fielder, para um trio de canções em tom acústico - «When Your Number isn’t Up», «Judgement Time» e «Low» - que suavemente foram conquistando o interesse da assistência.
Bem próximo da plateia (“so close I could hit it with a stone”…), um Lanegan impassível, em pose de crooner, não largou o pedestal do microfone, num cenário austero sob um jogo de luzes reduzidas que ao longo da noite priviligiou invariavelmente o violeta e o azul. E já com os restantes elementos da «Mark Lanegan Band» em palco (baterista, baixista e teclista), a noite prosseguiu lenta e sombria, para brindarmos à solidão com «Morning Glory Wine» e «No Bells on Sunday».
Depois sim, as guitarras subiram de tom e o ritmo acelarou, com um versátil Aldo Struyf a servir de reforço após ter trocado as teclas pelas seis cordas. «The Gravedigger’s Song» abanou as hostes e recebeu forte ovação da plateia, com Lanegan a sentenciar “tout est noir, mon amour”. Em «Harvest Home» ouvimo-lo afirmar “black is the colour, black is my name” e pouco depois chegaria a sublime «Gray Goes Black», pontuada por um excelente solo de guitarra. O negro, sempre ele no imaginário soturno de um Lanegan vestido a condizer.
Momentos antes, a frenética «Quiver Syndrome» havia soado melhor do que no trabalho de estúdio e a curta mas vertiginosa «Hit the City» (originalmente gravada em dueto com PJ Harvey) tinha arrancado muitos aplausos. Em «Ode to Sad Disco» deu-se a feliz coincidência de o ouvirmos repetir “here I have seen the light” em Lisboa, cidade da Luz…
O concerto baseou-se sobretudo nos seus dois últimos originais, «Blues Funeral» e o novo «Phantom Radio», ambos mais direcionados para sonoridades electrónicas, provando que Lanegan não se deixou prender às guitarras sujas do grunge.
Após a vigorosa «Riot in my house», com a bateria pesada e as guitarras rasgadas a marcar um dos pontos altos da noite, Lanegan aproveitou para apresentar cada um dos músicos em palco. Seguiu depois para «Harbourview Hospital», remetendo-nos para a sua antiga Washington, quem sabe em busca de misericórdia após os conturbados tempos vividos sob o signo da heroína: “Oh sister of mercy, I've been gone too long to say, and all around this place I was a sad disgrace”…
A música de Lanegan não esconde múltiplas influências: «Floor of the Ocean» soou a «New Order» e em «Torn Red Heart» intuímos reminiscências da melancolia dos «Joy Division» ou «The Jesus and Mary Chain». E em jeito de lembrança de uma carreira de mais de trinta anos, recheada de inúmeros projetos e colaborações (sendo os «Queens of the Stone Age» e os «The Gutter Twins» as faces mais visíveis), foi buscar ao baú os «The Twilight Singers» (ao som da bela e tranquila «Deepest Shade») e a banda que o fez chegar à MTV, os «Screaming Trees» (com o eléctrico «Black Rose Way», gravado em 1999 mas apenas editado em 2011), numa das poucas concessões aos fãs mais antigos.
Em cima das onze horas, o itinerário principal cumpriu-se com «Death Trip to Tulsa», a canção fantasmagórica que também fecha o seu último álbum. Regressaram pouco depois para um encore a três tempos. Primeiro o áspero e trovejante «Methamphetamine Blues», com Lanegan magnético a soltar um apelo a “rollin' children, keep on rollin'”. E depois com Duke Garwood (colaborador frenquente com quem Lanegan laçou a meias «Black Pudding», em 2013) a assumir a guitarra em «I Am The Wolf» e «The Killing Season».
Curiosamente, esta última foi tocada com bateria electrónica para recriar a recente versão remisturada por UNKLE, extraída de «A Thousand Miles of Midnight», o álbum de remixes electrónicas de «Phantom Radio», lançado no mês passado. Uma opção tão surpreendente quanto arrojada, bem reveladora do espítito de um cantor carismático que, aos 50 anos - depois do grunge, do folk, do rock e dos blues - continua a pisar novos territórios e conquistar novas audiências.
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quarta-feira, 25 março 2015