Reportagem NOTHING no Porto
Os norte-americanos Nothing são uma banda que nasceu – e continua a viver – em miséria. Basta olhar para o percurso atribulado de Domenic Palermo, que inclui tempo passado na prisão e um recente espancamento, para nos apercebermos que o grupo convive diariamente com a tragédia, canalizando toda essa angústia e desânimo em composições que soam tão enérgicas e dinâmicas quanto dolorosamente introspectivas. È esse constante confronto entre a escuridão e a candura, entre a gentileza e a violência emocional, que faz com que “Guilty of Everything” e o novo “Tired of Tomorrow” sejam discos aclamados, sendo que a estreia da banda no nosso país era mais do que obrigatória. Felizmente, a Amplificasom concretizou esse desejo e marcou duas datas, a primeira em Lisboa e a segunda no Porto.
Ao vê-los em palco, confirmamos que a dualidade que se nota em estúdio também se manifesta ao vivo, sendo fascinante observar a forma como os Nothing se entregam à energia desenfreada (Domenic chegou mesmo a estar no meio da plateia) sem, no entanto, abandonarem a postura delicada e contemplativa. Esse registo é fruto não só da maneira como encaram a arte de fazer música – um meio para atingir a catarse de forma a suportar as vicissitudes da vida - mas também da fórmula que têm desenvolvido ao longo da sua existência: uma maré de distorção shoegaze que se cruza com a essência mais alternativa de nomes como The Smashing Pumpkins ou mesmo Nirvana, tudo isto devidamente temperado com um intenso espírito punk/hardcore. No entanto, aquilo que os separa de tantos outros é a capacidade de reunirem diversas influências sem soarem a uma cópia, de serem perfeitos para a década de 90 mas não parecerem perdidos na época em que existem.
Os Nothing não são um projecto revivalista - bebem da fonte do passado para soarem refrescantes no presente, tornando-se assim numa aposta bastante entusiasmante e, acima de tudo, relevante. Numa viagem por um catálogo ainda curto mas recheado de qualidade, ouvimos temas como “Fever Queen”, “ The Dead Are Dumb”, “ACD (Acessive Compulsive Disorder) ”, “ Eaten by Worms”, “Bent Nail” ou “Curse of the Sun”. No final, mesmo com algumas falhas no som, não deixamos de assistir a uma actuação bela e pujante, por parte de – não nos parece exagerada a afirmação – uma das bandas do futuro.
Ricardo Remédio - anteriormente conhecido por RA e também membro dos LÖBO - foi o responsável pela primeira parte do evento. Com “Natureza Morta” na bagagem, o produtor lisboeta apenas não brilhou por estar a actuar num espaço que, apesar de bom, não se revelou adequado para o ambiente que a sua música evoca. Pedia-se uma sala com cadeiras, detentora de uma atmosfera sossegada que permitisse que a sua electrónica – negra, etérea e com pitadas de industrial - florescesse e encantasse. Um grande artista que esperamos ver em melhores condições.
-
Organização:Amplificasom
-
sexta-feira, 22 novembro 2024