Reportagem Norberto Lobo - Teatro da Trindade
"Viajando com o Lobo"
Norberto Lobo é um mestre. Pata Lenta foi um disco magnífico, dono de uma capacidade de transportar o ouvinte pelos mais diversos ambientes e sentimentos, e o seu novo disco, Fala Mansa, consegue pelo menos ao ao vivo manter essa capacidade, mostrando ao mesmo tempo um músico que além de cada vez mais magistral no que faz, não tem problemas em experimentar e quebrar barreiras com (e no) seu instrumento.
Foi um Teatro da Trindade composto, mas longe de encher, o que recebeu o músico no concerto de apresentação deste novo disco. Na plateia, nomes da música nacional como Tiago Sousa ou Sérgio Hydalgo (programador da ZDB, e um dos maiores responsáveis pela descoberta nacional que tivemos com Norberto), todos esperando para ver novamente o guitarrista entrar em palco com o seu leme pelo qual iria conduzir a viagem.
Passam dez minutos das dez quando o músico entra em palco, com um sorriso sorriso e nenhuma palavra (pouco falaria, ao longo de toda a noite) e rapidamente se senta na cadeira que o espera, já com guitarra na mão. O que se viveu a seguir foi pouco mais de uma hora de uma pura viagem sonora, com Lobo a encantar e impressionar na forma como consegue, com aquele único instrumento, criar canções instrumentais tão arrebatadoras.
Vê-lo a dedilhar com a rapidez com que o faz é surreal, sendo por vezes impossível acreditar que estamos a ouvir apenas uma única e guitarra, e não várias, em constante hamonia. A forma como usa o instrumento mostra anos e anos de prática: conhece bem o som que cada cora, cada dedo faz. Não toca guitarran apenas, explora-a: não teme deslizar com os dedos pelas cordas deforma a criar um som que assenta na canção, nem de bater uma ou outra vez com o punho na madeira para criar um som ideal (uma técnica que Tó Trips, seu conterrâneo, usa muito mais). Camadas e camadas de sons, ou apenas o parecem ser. Norberto Lobo é apenas um homem com uma guitarra, mas o som que sai do palco parece digno de uma orquestra.
A impressão com que se fica é, desde já, da beleza enorme deste novo disco (que o músico tocou na íntegra). Há canções que nos transportam, efectivamente, para o campo (o disco foi gravado numa casa no Alentejo), e o ritmo de algumas é por vezes alegre, por vezes melancólico. Acima da criação de paisagens, Lobo cria sentimentos fortes e envolventes. É o mais belo da música instrumental: não há a voz para nos guiar, apenas o som e a forma como o interpretamos. Apesar de, desta vez, a voz do músico também ter sido ouvida, nos poucos momentos em que se dirigiu ao teclado; momentos menores que os restantes, que felizmente terminaram rapidamente.
É inexplicável a forma como toca, tão tecnicamente irrepreensível quanto artisticamente impressionante (estas são, afinal de contas, canções tão belas quanto tecnicamente impressionantes). Vê-lo sentado, de guitarra ao colo, é uma visão que ficará certamente marcada na memória dos presentes. Fala pouco, mas quando o faz transpira satisfação e timidez. “Obrigado por terem vindo ver-me em vez dos Tindersticks”, diz. “Também estive hesitante”. Quando alguém grita “Tu és melhor!”, os plausos enchem o Teatro.
Além das magníficas novas canções, passou ainda por uma ou outra do disco anterior. Ayrton Senna, claro, foi um dos momentos mais altos. Arrebatadora no seu ritmo energético e sensível, naquele dedilhar constante que encanta qualquer um. O novo disco foi rei e senhor, mas as passagens pelo disco anterior foram bem pensadas, relembrando o quão coerentes e igualmente bons são estes dois trabalhos.
No fim do corpo principal, viu-se o músico a sair do palco após uma estrondosa onda de aplausos, que colocou um sorriso na cara do guitarrista enquanto acenava ao público, colocando a mão sobre a testa para poder vislumbrar bem todos os presentes. Os aplausos continuaram até ao seu regresso, onde se ouviu apenas uma única música, terminada com o músico já de pé, a acenar com a cabeça, saindo do palco. As luzes acendem-se logo de seguida, oermitindo ver bem todos os presentes, de pé, aplaudindo o belíssimo concerto que se viu e, acima de tudo, sentiu. Afinal de contas, com Norberto Lobo não se ouve e vê apenas: viaja-se.
Com viagens sempre assim tão magníficas, o seu nome será certamente relembrado por muito, muito tempo, inscrito, como o de outro guitarrista ficou uma vez, nas paredes da nossa história...