Reportagem One Direction no Estádio do Dragão
Histeria, choro, exaltação, desfalecimentos, uso impróprio do espaço público, ultraje alheio, rega de pessoas por parte dos bombeiros - todas palavras ou conjuntos de palavras ligadas ao campo lexical já automático de “a nova presença de uma boys band em terreno geográfico comum”. Atenção, quando falamos de boys bands, estamos a falar d’A Boys Band, com maiúsculas e tudo, com Avé Marias e Pai Nossos e tudo o que se diz e faz em referência ao que se parece verdadeiramente com um culto religioso de larga escala (e podem mesmo eles ser os próprios diabos em pessoa, as provas mostram-se inconclusivas) – não pode ser outra, são os One Direction. Após a passagem por terras lisboetas no ano passado, o Porto foi o novo palco de extermínio emocional juvenil, o local preciso: o Estádio do Dragão (quantas vezes vão os portistas benzer a sua catedral para minimizar os danos espirituais?).
Para aqueles que não os conhecem (onde estiveram? contem-nos a vossa história), os One Direction são uma banda pop inglesa-irlandesa juntada de propósito para o concurso de talentos musicais The X Factor, que usufruiu de estrondoso sucesso comercial depois de lançada para as luzes da ribalta mundial. Liam Payne, Harry Styles, Zayn Malik, Niall Horan e Louis Tomlinson são verdadeiros génios da lâmpada: é só esfregar que sai pastilha pop, hinos sobre a beleza escondida de rapariga x (mas que são, de facto, sobre todas as raparigas) e brincadeiras de homem adolescente. É esta a fórmula que acaba por ser o grande ganha pão do mentor e produtor Simon Cowell, mas, principalmente, a delícia de muitos, muitos fãs - 99.999% femininas, mas não vamos discriminar.
Tamanha é a histeria e o entusiasmo sem restrições conhecida que, meia hora antes do início do set, tem de ser mostrado um vídeo de precauções a tomar durante o concerto, narrado pelos elementos da banda: “Por favor não se esqueçam de beber água. Digam aos seguranças se alguém tiver desmaiado.” Bem diferente da rotina habitual entra – diz olá e obrigado – sai da maior parte dos concertos atuais, mas estes concertos são marcados por uma intensidade incrível, especialmente previamente e durante. Daí que não seja surpresa nenhuma que quando os One Direction entram em palco para tocar “Midnight Memories”, tema homónimo do mais recente álbum, o Estádio do Dragão expluda em decibéis infinitamente altos, sons ouvidos por pelo menos 15 raças de cães diferentes num raio de 50 kms. E não para aqui – a contagiante “Kiss You”, a faux roqueira “Rock Me”, “Live While We’re Young” e os seus enfáticos ohohohoh de fundo – a grande parte do material em bagageira é feito à medida, numa fábrica, se calhar, para encher os ouvidos do amante de pop comercial, embora, decididamente, sem grande audácia ou originalidade.
A efusão não podia durar durante uma hora e meia seguida, daí que após a lesão na perna de Liam Payne e consequente obrigação de permanecer sentado com esta em gelo, os ânimos animem ligeiramente, sem antes chamar pelo nome do coitado em jeito de apoio, ao qual este se desfaz em sorrisos. De facto, o ruído dos berros constantes desce para metade, talvez pela compreensão coletiva de que se ouve melhor assim, tal brilhante epifania/telepatia, ou simplesmente porque parte da plateia está demasiado absorta para querer interromper o que passa à frente dos olhos. Momento perfeito para a super balada tripartida “Little Things”, “Moments” e “Strong” – ‘estrong’, diz Niall, fletindo os bíceps - tomadas que nem mel. Na reta final, não podiam faltar “One Thing” e “What Makes You Beautiful”, super êxitos primordiais na curta carreira dos One Direction, “You and I” dá espaço para Zayn Malik lançar um falsetto gigante e “Best Song Ever” fecha a noite.
É muito estranho sair de um concerto e estar rodeado de pessoas a chorar por não terem conseguido aguentar a emoção deste mesmo. É ainda mais bizarro ver adolescentes a segurar em parafernália coberta da cara das pessoas que estão em palco, incluindo almofadas, como se fossem posters ou cartazes, provoca uma intensa sensação de dejá vu. Pode parecer uma experiência social, mas é pelo menos parte libertação de pulsões interiores: é este o efeito de uma boys band – e por alguma razão é que ainda não estão extintas.
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sábado, 20 dezembro 2014