Reportagem PJ Harvey em Lisboa
Nesta que foi uma noite invulgarmente quente de outubro, a artista inglesa, PJ Harvey trouxe a Portugal um espetáculo que, sem margem para dúvidas, testemunha a pertinência da sua obra artística no tempo presente.
Se é factual que os dois últimos discos de PJ Harvey propõem uma incursão política em regime observatório sobre a dinâmica de conflito sentida desde o Afeganistão até Washington, o concerto que a cantautora trouxe a Lisboa com mais nove músicas exige mais do espectador para além da mera contemplação. A forma quase cerimonial com que ao longo de quase duas horas nos foram apresentadas canções de um repertório fortíssimo pode não ser exatamente convidativa a uma interação direta, já que Polly dirigiu-se ao público somente para apresentar a banda que a acompanha e para, no final, agradecer. Por escrito pode parecer uma abordagem fria, porém muito mudou desde os concertos em nome próprio que trouxe à Aula Magna por alturas da promoção de “Let England Shake”(2011). Se aí pudemos presenciar uma prestação quase solene, a forma como “The Hope Six Demolition Project” (2016) se traduz em palco é bem mais imersiva.
Com maneirismos e movimentos teatrais que há algum tempo não figuravam no contexto cénico dos concertos de PJ Harvey, a noite de 27 de Outubro iniciou-se com uma entrada em palco propositadamente coreografada por parte dos dez músicos que ao longo do concerto alternariam entre bateria, bombos, metais de sopro, teclas, guitarras e baixo. A abrir o alinhamento figuraram um conjunto de faixas do álbum mais recente, a vincar a índole atual com que a artista opta por dar às suas performances. Está aqui em causa uma musicalidade formal, de cariz amplamente percussivo perto de um qualquer militarismo sónico que encorpa na perfeição os relatos sobre a guerra patentes em “Ministry of Defense” e “A Line in the Sand”. “To Talk to You” e “The Devil” surgiriam mais tarde, remetendo para a melancolia de “White Chalk” que em 2007 marcava uma viragem criativa drástica na obra de PJ Harvey, que nessa altura abandonava a guitarra elétrica como elemento omnipresente na sua escrita de canções, tendo encontrado no piano um modo mais fiel de abordar a introversão. Com “The Weel” a recordar-nos do rigor – de guitarras múltiplas – que, de facto, continua a ser uma das características mais robustas do repertório de PJ Harvey. E se o rock viva outrora na sua obra de forma mais visceral, o arranjo com que “50ft Queenie” foi apresentada, convida à reflexão não sobre o passado musical, mas sim sobre a possibilidade de voltarmos a ouvir a fúria e a vontade de vencer de uma forma tão direta como aqui aconteceu.
Para deleite dos presentes, uma incursão pelas canções de “To Bring You My Love” (1995) deu espaço suficiente para recordar, mas também para dissipar eventuais dúvidas sobre a significância de PJ Harvey na história da música das últimas décadas. Quer o single inesquecível “Down by the Water” quer a própria “To Bring You My Love” constituíram os momentos mais celebrados da noite por parte do público. Todavia, o foco no presente manteve-se no encore com “Guilty”, uma faixa que não figurando no último disco da artista, nasceu das mesmas sessões. No final, a aclamação foi sentida por todos os músicos, ovacionados duradouramente após “The Last Living Rose”.
É com PJ Harvey que continuamos a ouvir o rock mais pertinente dos tempos modernos, e atuações impecáveis onde com a maior das facilidades lidera uma banda que integra grandes vultos como Mick Harvey e John Parish.
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Organização:Everything is New
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sexta-feira, 22 novembro 2024