Reportagem Patti Smith no Coliseu dos Recreios
Numa noite que conseguiu juntar uma impressionante diversidade de faixas etárias e estratos sociais no Coliseu dos Recreios, o público que por muito pouco não terá esgotado por completo a lotação da sala lisboeta fez questão de expressar em todos os momentos o seu propósito para ali estar: a celebração da música de Patti Smith. Um dos maiores vultos criativos da cultura do séc. XX mantém-se em topo de forma e se o alinhamento de “Horses” foi a principal premissa da noite, a música e a poesia foram para além disso.
Ao longo de duas horas, Patti Smith e a sua banda deixaram claro que não é pelo facto das canções terem 40 anos de idade que perdem robustez. Pelo contrário: o entusiasmo com que todo o público fez questão de reagir ao som (e às palavras) que provêm de um tempo e de um espaço que com certeza não terá sido vivido por a grande maioria dos presentes, é a evidência do valor intemporal do que se escutou esta noite. Reagindo com empatia às ovações que preencheram intensamente todos os períodos entre canções, Patti Smith renega a estrutura hierárquica tipicamente estabelecida entre artista e público, rompendo essa relação binomial em prole de uma harmonia da qual se alimentou ao longo de quase duas horas.
Num ambiente de plena comunhão, as canções de “Horses” servem um objetivo que vai mais além do que a tática fácil do saudosismo, por via da revalorização dos seus próprios elementos. A declamação sentida do poema de “Birdland”, em conjunto com a forma como a guitarra de Lenny Kaye foi capaz de invocar melodias que muito pertinentemente souberam aproximar o rock clássico de algumas tendências do shoegaze mais moderno, salientam a audácia e o vigor que esteve na génese do álbum de 1975. Terminado o alinhamento original de “Horses”, toda a banda teve oportunidade de recuperar o nível de excelência em termos de prestação (após um medley dos Velvet Underground durante o qual Patti Smith desceu à plateia para cumprimentar alguns dos fãs) com “Pissing in a River”: o ponto alto de “Radio Ethiopia” (1976) foi, em palco, absolutamente assombroso.
Foram canções e poemas que jamais nos cansaremos de recordar. Quando mesmo após “Because the Night” e “People have the Power” a banda regressou a palco para uma versão de “My Generation” (original dos The Who), a adoração entre o público e Patti Smith fazia-se sentir de forma tão evidentemente recíproca, que se torna impossível não considerar esta noite como uma vitória para todos os que estiveram no Coliseu dos Recreios. Um disco histórico, um artista ímpar e uma imparável vontade de querer mais: da música, da sociedade e de todos nós.
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quinta-feira, 24 setembro 2015